São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

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SAÚDE

Medida prevê transferência de tecnologia de anti-retrovirais da Merck para unidades estatais de produção de remédios

País negocia pagar royalties a laboratório

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo brasileiro negocia com o laboratório Merck Sharp & Dohme o licenciamento voluntário do medicamento anti-retroviral efavirenz, usado no coquetel para tratamento da Aids. No país, 50 mil pacientes utilizam esse remédio duas vezes por dia.
O licenciamento funcionaria assim: a indústria farmacêutica cederia tecnologia para que os laboratórios estatais nacionais produzissem a droga e, em contrapartida, o governo brasileiro pagaria royalties sobre o preço de comercialização. Ainda não está definido o percentual desses royalties e nem o tipo de licença.
Segundo Cristina d'Almeida, assessora da Coopex (Cooperação Externa), unidade responsável pelas ações de cooperação internacional do Programa Nacional de DST e Aids, o ministério está tentando negociar também com os laboratórios Roche e Abbot, que produzem as drogas nelfinavir e lopunavir, respectivamente, que fazem parte do coquetel anti-Aids, mas ainda não teve uma resposta.
"Qualquer acordo para transferência de tecnologia é um processo muito difícil e demorado. Só o fato de a Merck ter topado negociar [o licenciamento voluntário] já é uma boa notícia."
De acordo com João Sanches, diretor de comunicação da Merck, foi montado um grupo de estudo envolvendo integrantes do governo e do laboratório. "Estamos na fase inicial. É um processo que envolve aspectos técnicos, econômicos e financeiros", diz.
O licenciamento voluntário está sendo negociado como uma tentativa de baratear mais os custos dos medicamentos contra a Aids, de acordo com Ricardo Pio Marins, diretor-assistente do Programa Nacional de DST e Aids.
Neste ano, o Ministério da Saúde conseguiu, após quase um ano de negociações, firmar um acordo com os laboratórios que permitiu uma redução de quase 37% do gasto total com os anti-retrovirais. A previsão é de gastar R$ 508 milhões -o menor gasto desde 1999- neste ano para atender a 148.500 pacientes, 20.500 a mais do que em 2003.
Em dezembro passado, em razão das divergências em relação ao preço dos remédios, o Ministério da Saúde ameaçou fazer o licenciamento compulsório (sem a concordância da empresa) do anti-retroviral da Roche. Com o acordo, a medida não foi adotada.
"O uso do licenciamento compulsório é uma medida extrema, quando estiverem esgotadas todas as outras tentativas de negociação", afirma Marins.
A ameaça, porém, provocou um alvoroço na indústria farmacêutica, que alega que, em grande escala, medidas como o licenciamento compulsório ou a quebra de patentes podem emperrar o desenvolvimento de novas pesquisas.
Ontem, o assunto foi discutido em debate promovido pela ONG americana "Projeto de Responsabilidade para a Aids". Segundo Abner Mason, diretor da ONG e consultor do governo Bush para assuntos de Aids, desde 1997 houve uma queda de 25% no número de empresas que pesquisam a cura da Aids.
Para Mason, o Brasil tem o direito e o dever de proteger a saúde e o bem-estar do seu povo, mas, se decidir adotar o licenciamento compulsório ou a quebra de patentes, estará colaborando para que as indústrias farmacêuticas desistam de investir em novas drogas anti-Aids. "Temos que encontrar alternativas para salvar nossos pacientes hoje. O resto a gente vê depois", disse Marins.


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