São Paulo, quinta-feira, 29 de março de 2007

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Moradias de africanos na UnB são atacadas

No campus da Universidade de Brasília, alunos tiveram as portas de 3 apartamentos queimadas e apontam ação racista

Não houve feridos entre os 10 estudantes que ocupam os apartamentos; reitor diz que há racismo tanto na universidade como no país

Lula Marques/Folha Imagem
Manifestação contra o racismo, ontem na Universidade de Brasília, após atentado sofrido por alunos africanos dentro do campus

LEILA SUWWAN
PRISCILA ROSSITER
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ontem de madrugada, dez alunos africanos sofreram um ataque na Universidade de Brasília. Para os universitários, o ato foi motivado por racismo. As portas dos três apartamentos que ocupam no alojamento estudantil foram incendiadas e os extintores de incêndio de dois andares foram esvaziados.
Não houve feridos, e a Polícia Federal foi chamada para investigar o episódio. O incidente causou comoção no campus e cerca de 400 alunos realizaram uma manifestação e assembléia ontem à tarde.
O reitor da UnB, Timothy Mulholland, conversou com os alunos, mas foi vaiado e chamado de "racista" por ter dito que não tinha a ver com o episódio. Ele falou que os culpados podem ser expulsos e prometeu mais segurança no campus. O reitor admitiu haver racismo na universidade como, segundo ele, há na cidade e no país.
As vítimas, todas estudantes da Guiné Bissau, não ficaram satisfeitas com as providências. Quatro delas falaram à Folha que este é o segundo ataque sofrido e temem mais represálias.
Segundo elas, há cerca de um mês, as portas dos mesmos três apartamentos foram marcadas com cruzes vermelhas e os dizeres "Morte aos estudantes estrangeiros playboys".
Há cerca de 400 alunos estrangeiros na UnB, entre eles 22 de países africanos matriculados por meio de acordo de cooperação internacional do governo brasileiro. A UnB tem 26 mil alunos.
As vítimas moravam em três apartamentos do bloco B da Casa do Estudante Universitário, dentro do campus, e serão transferidas para outras residências, segundo a UnB.
"Meu colega acordou sufocado pela fumaça e pulou pela janela para pedir ajuda", disse um deles, aluno de ciências políticas, 26 anos. Ele, assim como seus colegas, não quis se identificar. "Isso foi premeditado, colocaram blocos com toalhas molhadas de gasolina nas nossas portas. Temos medo de outro ataque ou até de um assassinato."
"Tenho medo e me sinto humilhado. Uma vez já discutiram comigo. Falam que viemos para tirar o lugar deles, e diziam "negro, volte para a África'", contou outro, aluno de economia, 24 anos.

Índios
"Graças a Deus não morremos carbonizados. Já queimaram um índio, agora vão queimar os africanos?", disse outro, também aluno de economia, 22 anos, em referência ao episódio em que jovens brasilienses mataram um índio incendiado.
Segundo eles, o racismo existe de forma geral na universidade, mas o ataque foi dirigido a eles por serem estrangeiros.
O reitor Timothy Mulholland falou que o caso era um "atentado contra o patrimônio e a vida". Mulholland não quis associar o episódio à fala da ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), que anteontem havia dito achar "natural" que houvesse racismo de negros contra brancos, por conta da opressão histórica. Alunos ouvidos ontem disseram não saber da frase da ministra.
O Ministério das Relações Exteriores divulgou ontem uma nota em que afirma que o governo brasileiro "acompanha a apuração do incidente" e que repudia quaisquer atos de violência, "que não se coadunam com o espírito aberto, tolerante e acolhedor do povo brasileiro".


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