|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Moradias de africanos na UnB são atacadas
No campus da Universidade de Brasília, alunos tiveram as portas de 3 apartamentos queimadas e apontam ação racista
Não houve feridos entre os 10 estudantes que ocupam os apartamentos; reitor diz que há racismo tanto na universidade como no país
Lula Marques/Folha Imagem
|
|
Manifestação contra o racismo, ontem na Universidade de Brasília, após atentado sofrido por alunos africanos dentro do campus
LEILA SUWWAN
PRISCILA ROSSITER
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ontem de madrugada, dez
alunos africanos sofreram um
ataque na Universidade de Brasília. Para os universitários, o
ato foi motivado por racismo.
As portas dos três apartamentos que ocupam no alojamento
estudantil foram incendiadas e
os extintores de incêndio de
dois andares foram esvaziados.
Não houve feridos, e a Polícia
Federal foi chamada para investigar o episódio. O incidente
causou comoção no campus e
cerca de 400 alunos realizaram
uma manifestação e assembléia
ontem à tarde.
O reitor da UnB, Timothy
Mulholland, conversou com os
alunos, mas foi vaiado e chamado de "racista" por ter dito que
não tinha a ver com o episódio.
Ele falou que os culpados podem ser expulsos e prometeu
mais segurança no campus. O
reitor admitiu haver racismo
na universidade como, segundo
ele, há na cidade e no país.
As vítimas, todas estudantes
da Guiné Bissau, não ficaram
satisfeitas com as providências.
Quatro delas falaram à Folha
que este é o segundo ataque sofrido e temem mais represálias.
Segundo elas, há cerca de um
mês, as portas dos mesmos três
apartamentos foram marcadas
com cruzes vermelhas e os dizeres "Morte aos estudantes
estrangeiros playboys".
Há cerca de 400 alunos estrangeiros na UnB, entre eles
22 de países africanos matriculados por meio de acordo de
cooperação internacional do
governo brasileiro. A UnB tem
26 mil alunos.
As vítimas moravam em três
apartamentos do bloco B da
Casa do Estudante Universitário, dentro do campus, e serão
transferidas para outras residências, segundo a UnB.
"Meu colega acordou sufocado pela fumaça e pulou pela janela para pedir ajuda", disse
um deles, aluno de ciências políticas, 26 anos. Ele, assim como seus colegas, não quis se
identificar. "Isso foi premeditado, colocaram blocos com
toalhas molhadas de gasolina
nas nossas portas. Temos medo de outro ataque ou até de
um assassinato."
"Tenho medo e me sinto humilhado. Uma vez já discutiram comigo. Falam que viemos
para tirar o lugar deles, e diziam "negro, volte para a África'", contou outro, aluno de
economia, 24 anos.
Índios
"Graças a Deus não morremos carbonizados. Já queimaram um índio, agora vão queimar os africanos?", disse outro,
também aluno de economia, 22
anos, em referência ao episódio
em que jovens brasilienses mataram um índio incendiado.
Segundo eles, o racismo existe de forma geral na universidade, mas o ataque foi dirigido a
eles por serem estrangeiros.
O reitor Timothy Mulholland falou que o caso era um
"atentado contra o patrimônio
e a vida". Mulholland não quis
associar o episódio à fala da ministra Matilde Ribeiro (Igualdade Racial), que anteontem
havia dito achar "natural" que
houvesse racismo de negros
contra brancos, por conta da
opressão histórica. Alunos ouvidos ontem disseram não saber da frase da ministra.
O Ministério das Relações
Exteriores divulgou ontem
uma nota em que afirma que o
governo brasileiro "acompanha a apuração do incidente" e
que repudia quaisquer atos de
violência, "que não se coadunam com o espírito aberto, tolerante e acolhedor do povo
brasileiro".
Texto Anterior: Mortes Próximo Texto: Polícia: Comerciante é preso acusado de racismo no interior de SP Índice
|