São Paulo, sábado, 29 de março de 2008

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WALTER CENEVIVA

Lógica eleitoral em falta

É um erro grave supor que a manifestação dos juízes eleitorais seja um excesso ou uma intromissão indevida

A ERA DAS COMUNICAÇÕES, ampliada pela televisão e globalizada pela internet, provocou um efeito contrário ao que seria de esperar. Em lugar de impor, aos administradores públicos, a preocupação com a contínua unidade lógica de suas manifestações, deixou-os livres para todas as incongruências, contribuindo para que o direito pereça na praia das contradições.
Tomo o exemplo dos que proclamam o sacrossanto dever do juiz de só se manifestar nos autos. Ao lado dessas posições, há os que se queixam da posição dos magistrados que se comportam como seres extraterrenos, fortes no processo, mas alheios às angústias dos que clamam por justiça.
Recentemente o presidente da República, ao criticar manifestações do ministro Marco Aurélio Mello, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), queria que este "não desse palpites" em assuntos estranhos à função judicial. Ficando apenas na órbita do direito constitucional, constata-se que o chefe do Executivo federal não se recorda de antigas manifestações (do tempo em que era oposição), nas quais se queixava do oposto, reclamando da Justiça Eleitoral atenção contra providências ou atos que prejudicavam interesses políticos de seu partido.
Breve exame dos fatos, depois da retomada democrática, mostra que Luiz Inácio Lula da Silva não tem razão, tanto na história, quanto no direito constitucional. A Constituição atribui à Justiça Eleitoral, com primazia para o TSE, competências que transcendem da simples função de julgar, como resulta da possibilidade legal de expedir instruções para as eleições, norteando o processo eletivo, ajustado às transformações pelas quais este tem passado.
Outra mostra da diferença de tratamento está na irrecorribilidade das decisões proferidas pelo TSE, salvo apenas as que contrariarem a Constituição e as que denegarem habeas corpus ou mandados de segurança (artigo 121 da Carta Magna, no parágrafo 1º). Mesmo decisões dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) têm limites de recorribilidade de suas decisões, compreensível quando se pensa na urgência da apreciação definitiva para problemas surgidos no curso dos pleitos.
Em face da situação especial dos procedimentos eleitorais, os presidentes do TSE e dos TREs são presenças freqüentes nos meios de comunicação. Acabam integrados à permanente necessidade de esclarecerem a nação sobre problemas jurídicos relevantíssimos, de cuja defesa são os principais encarregados pela lei brasileira. É um erro grave, mostrando descuido no trato constitucional, supor que a manifestação dos juízes eleitorais, na órbita de sua competência (nacional, estadual ou municipal), seja um excesso ou intromissão indevida em questões que não lhes digam respeito.
No campo da política (que é, necessariamente, o cerne jurídico das cortes eleitorais), cada pronunciamento se presta a toda sorte de inferências, justas ou injustas, agradando ou desagradando os poderosos da hora. É muito possível que o presidente Lula, cuja história de vida é um bom exemplo das vantagens da democracia, trate de voltar sobre seus passos quando, terminado seu atual período de governo, retorne à arena política sem as vantagens da presidência. Cairá na real.


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