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SAÚDE
Proposta de financiadora defendia política de abstinência e proibição da prostituição; ONGs apóiam posição brasileira
EUA forçam regra, e país perde verba da Aids
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo brasileiro acusou os
EUA de tentar interferir na política nacional de Aids e, com o aval
de movimentos sociais, anunciou
o rompimento de acordo que previa um repasse de US$ 22,5 milhões (cerca de R$ 56,2 milhões)
até 2008 para ONGs que trabalham com prevenção ao HIV.
Os valores anuais envolvidos
equivalem a cerca de um terço do
que o próprio governo brasileiro
repassou para as ONGs no ano
passado, R$ 38 milhões.
Ainda não está garantida verba
adicional para substituir os recursos da Usaid, agência de financiamento norte-americana para desenvolvimento internacional.
O Brasil tem o maior programa
de distribuição gratuita de remédios contra a Aids do mundo, políticas de prevenção elogiadas por
organismos internacionais e refuta as políticas aprovadas pelo Senado norte-americano, que pregam a abstinência e o veto à prostituição como formas de prevenção contra a doença.
Desde o início do ano o programa brasileiro de Aids passa por
dificuldades, como a falta de camisinhas e de remédios.
Cláusula
O motivo principal do rompimento foi uma cláusula no adendo do contrato em que o governo
norte-americano veta o auxílio
para ONGs que defendam a prática da prostituição. No país, entidades buscam direitos trabalhistas para profissionais do sexo, por
exemplo. A prostituição no país é
uma contravenção, não crime.
"Não existe preconceito contra
a Usaid. Temos trabalhado de
maneira amistosa, mas é uma
questão da qual não poderíamos
abrir mão, porque isso fere a autonomia de estabelecimento de
políticas nacionais, políticas nossas que, com certeza, são bem
mais avançadas, mais modernas e
apontam melhores resultados do
que essa política anacrônica que,
ao invés de se basear na fundamentação científica, busca outros
princípios que não a ciência", diz
o coordenador de DSTs/Aids, Pedro Chequer.
O governo já havia refutado a
proposta de veto à prostituição no
início do mês, como informou a
Folha, mas decidiu que o acordo
só seria rompido se houvesse aval
da Cnaids (Comissão Nacional de
Aids), que reúne representantes
de movimentos sociais, do meio
científico e de outros ministérios.
Segundo Chequer, houve nova
negociação e o governo conseguiu que a agência tirasse dos termos as políticas de abstinência,
mas não houve avanço na questão
da prostituição. Em reunião nesta
semana a Cnaids foi unânime a
favor do fim do acordo. Mas, diz
Chequer, ainda é possível retomar
o financiamento se a Usaid recuar. Procurada pela Folha, a
Usaid não se manifestou.
"Tomei um susto", relata Gabriela Leite, da ONG Davida, entidade de defesa de trabalhadores
do sexo com sede no Rio de Janeiro. Leite faz parte do comitê da sociedade civil que, nos últimos dois
anos, acompanha o acordo.
A Davida vinha trabalhando
com recursos da Usaid -já havia
começado um primeiro repasse
da US$ 3 milhões para as ONGs,
que não deverá ser interrompido.
"É claro que vai fazer falta. O governo não tem como colocar mais
recursos", afirma Leite sobre o
restante dos recursos.
Segundo ela, outro ponto que
preocupou os movimentos foi o
trecho que fala do uso do preservativo nos projetos de prevenção.
A Usaid destacava a necessidade de informar sobre supostas falhas nos preservativos, o que é um
argumento da igreja, afirmou.
A coordenação de Aids não viu
problema nesse item e entendeu
como um alerta para o uso correto da camisinha, diz Chequer.
"Eu acho que não está em discussão a verba, mas princípios de
autonomia neste país", afirmou
ainda o coordenador. Segundo
ele, neste ano o governo deve repassar R$ 59 milhões para as
ONGs. "Nós vamos buscar recursos adicionais com Estados e municípios. Apenas o governo federal dá recursos a ONGs", continuou.
(FABIANE LEITE)
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