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Mãe de motoboy diz que filho foi morto por ser negro
A pedagoga Elza dos Santos, 62, mãe de Eduardo, achado morto
no dia 10 após ser torturado, diz que perdoa os assassinos do filho
Doze policiais são acusados
de agredir e assassinar
motoboy após levá-lo para
os fundos de um quartel
na zona norte de São Paulo
TALITA BEDINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A pedagoga Elza Pinheiro dos
Santos, 62, mãe de Eduardo
Luís Pinheiro dos Santos, achado morto no último dia 10 após
ser torturado, diz que perdoa os
assassinos do filho.
Os suspeitos pelo crime são
policiais militares que atuam
na zona norte de São Paulo.
Abatida, com olheiras profundas e bastante emocionada,
ela recebeu a Folha na casa em
que morava com o filho, na Vila
Ester, também na zona norte.
Na entrevista de pouco mais
de uma hora, interrompida cinco vezes por crises de choro, ela
disse acreditar que o filho foi
morto por ser negro.
Eduardo trabalhava como
motoboy, mas há dois meses
havia devolvido a moto por dificuldades em manter o pagamento. Desde então, trabalhava como carregador de galões
de água e botijões de gás.
Na sexta, 9, envolveu-se em
uma briga por causa da bicicleta de um amigo que havia sido
furtada. Foi levado por PMs para um quartel e, no dia seguinte, localizado em uma rua, com
marcas de tortura.
Morreu seis dias antes do
aniversário de dois anos da filha. O comandante-geral da
PM, coronel Álvaro Batista Camilo, escreveu uma carta a ela
com pedido de desculpas 13
dias depois do crime.
Ontem, a Justiça Militar decretou a prisão preventiva de 12
PMs apontados pela Corregedoria como autores do assassinato. A prisão é por 30 dias,
prorrogáveis por mais 30. Nove
deles já estavam presos.
FOLHA - Por qual motivo a senhora
acha que o seu filho foi morto?
ELZA PINHEIRO DOS SANTOS - Acho
que, sem dúvida nenhuma,
existe aí a questão da cor da pele. Existia outro negro lá [entre
os quatro levados à delegacia
após a briga], talvez submisso.
Sabemos que o nosso Brasil é
preconceituoso. Já conseguiu
alguns avanços. Mas o preconceito parece uma erva daninha
que, se você não arrancar bem a
raiz, ela brota. E brotou. Acho
que teve preconceito.
FOLHA - E a carta do comandante
confortou a senhora?
ELZA - De certa forma, sim.
Achei um gesto muito nobre.
Ele escreveu, não como comandante, mas como uma pessoa
amiga, um pai de família. Tem
naquela carta, escrita de próprio punho, uma sensibilidade.
De certa forma, me conformou,
mas é preciso que a Justiça seja
feita. Agradeço ao coronel, na
certeza de que haverá Justiça.
FOLHA - Como tem sido sua rotina?
ELZA - Eu não tenho ido trabalhar. Fui uma vez e aguentei ficar só um pouco.Tenho dormido muito pouco. O médico receitou um remédio, mas eu tomei um dia só porque achei que
fiquei muito abobada e eu não
quero. A princípio, nos primeiros dias, eu tinha certeza de que
ele ia voltar. Agora eu já tenho
momentos de clareza, que eu
sei que ele não vai voltar.
A saudade está aumentando.
É como se ele tivesse ido para
uma estação de trem e alguém
tivesse contado para mim. Eu
fui correndo para ver se o alcançava, para ele não ir. E cheguei
lá e ele já tinha ido.
E eu saí correndo atrás, correndo. Até ele sumir e o trem ir
embora e eu fiquei. Se pudesse,
eu falava "não vai, me espere".
Se eu pudesse, falava "não vá
agora não". Eu vou buscar a força de Deus. Só Ele nos dá força.
Só Ele nos levanta toda manhã.
Quando acordo, tem dia que é
às 2h30, aí eu deito mais um
pouquinho e consigo ir até as
4h. Aí coloco meu joelho no
chão e clamo a misericórdia de
Deus. Me apego à palavra de
Deus e Ele me dá força. Levanto
umas 5h30, agradeço a Deus,
desço e faço um cafezinho.
Nós éramos felizes aqui. Até
alguém tirar o sorriso que eu
vou te mostrar [tira a foto da família de dentro da Bíblia e mostra à repórter]. A dor é tão grande que a gente pensa que não
vai aguentar. Fica a minha esperança de um dia me encontrar com ele. Você vê quanta
gente foi prejudicada na minha
família? Eles tiraram o direito
da filha dele de ter um pai.
FOLHA -E como está a filha dele?
ELZA - Ela tem dois anos. Fez
dois anos dia 16 [de abril]. Acho
que ela ainda não tem entendimento. Um dia eu ia levá-la para a escola e ela viu a moto e começou "papai, papai, papai". Foi
muito complicado. Meu filho
estava guardando dinheiro para
fazer a festinha dela.
FOLHA -A senhora conseguirá perdoar
quem fez isso com ele?
ELZA - Já estão perdoados, todos. Porque eu sou cristã. Mas
eu continuo acreditando na
Justiça dos homens e primeiramente na Justiça divina.
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