São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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JUVENTUDE ENCARCERADA

Cleonder Santos Evangelista afirma que se sentiu abandonado e que "foi usado mais do que usou"

Não me ajudaram o bastante, diz ex-interno

DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-interno da Febem Cleonder Santos Evangelista, 20, afirma que é vítima dos personagens de seu próprio livro. Em uma história verídica, preferiu citar os nomes verdadeiros. Estaria, por isso, sendo perseguido.
Mesmo assim, afirma não estar arrependido de ter feito o livro, mas diz que se sente usado e abandonado. "Eles não me ajudaram para que eu conseguisse a minha independência."

Folha - Quando você soube que era suspeito de matar um garoto de 16 anos?
Cleonder Santos Evangelista -
Após a entrevista que eu dei no [programa] Jô Soares, em junho ou julho do ano passado. Coloquei o pé na cidade [Borborema] e fui chamado na delegacia.

Folha - Por que você faz essa relação?
Evangelista -
Perguntei ao delegado se não tinha sido chamado por uma questão pessoal. Pelo fato de ter citado o nome dele em rede nacional.

Folha - O que você falou na entrevista?
Evangelista -
Aos 14 anos, eu pratiquei um assalto em um mercado próximo à casa do delegado. Na fuga, a mulher dele estava em frente à casa e saiu correndo [no livro, Evangelista relata que gritou que ela iria morrer se chamasse a polícia].

Folha - O livro depreciava o delegado?
Evangelista -
Eu acho que o colocava em uma situação não muito bem vista. Mas só contei a verdade, que ele me agrediu quando fui preso, e eu não resisti à prisão. Uma série de abusos.

Folha - E a pessoa que o acusou de matar o garoto, você conhecia?
Evangelista -
Conheci só depois que ele começou a me acusar. Ele, às vezes, andava com o Pedrinho [acusado de atirar contra Evangelista em fevereiro por supostamente não gostar de ter sido citado]. Não sei se é pessoal, se é por parte da autoridade, se é por parte do grupo do Pedrinho. Nesse assalto, ele fugiu e me deixou sozinho. Pelo fato de ter narrado isso no livro, ele ficou injuriado.

Folha - O delegado leu o livro?
Evangelista -
Não sei. Mas pela emissora de televisão, muitos ficaram sabendo.

Folha - E isso, a seu ver, influenciou a investigação?
Evangelista -
Essa investigação é um mal-entendido, uma investigação tapa-buraco.

Folha - Com qual intenção?
Evangelista -
De me desmoralizar. De acabar com isso que eu estou construindo. Esse livro só me trouxe problema.

Folha - Você está arrependido de ter feito o livro?
Evangelista -
Não. Eu me sinto triste. Porque não estou mais ajudando a ressocializar esses jovens.

Folha - A editora disse que cancelou as palestras que promovia porque você estava passando por uma recaída no uso de drogas e que teria lhe orientado a fazer um tratamento, mas você optou por voltar para Borborema.
Evangelista -
Foi mais ou menos isso. Depois de um tempo, eu tive uma recaída. Procurei um psicólogo e fiquei tranqüilo.

Folha - Recaída em relação ao uso de drogas?
Evangelista -
Minha recaída foi mais ficar deprimido. Não voltei a usar droga. Mas voltei para Borborema.

Folha - E como o livro repercutiu na cidade?
Evangelista -
Alguns pessoas leram, muitas viram pela televisão. A única coisa que eu podia detectar era um pouco de inveja.

Folha - Quem tinha inveja?
Evangelista -
A sociedade, as pessoas que me conheciam. Elas receberam muito mal. Não gostaram de ter os nomes citados, como se eu tivesse que pedir.

Folha - Você foi usado como exemplo de recuperação pela Febem. Agora, você se sente abandonado?
Evangelista -
Me sentia dependente. Eles não me ajudaram o suficiente para que eu conseguisse a minha independência.

Folha - Como assim?
Evangelista -
Muitas vezes eu pedi emprego fixo porque estava com a mulher grávida.

Folha - A editora diz que lhe deu emprego e que você abandonou.
Evangelista -
Isso foi antes. Depois que eu lancei o livro, precisei trabalhar em cima dele, para divulgar. Depois o livro deu uma baixada, foi nesse momento que eu precisei disso.

Folha - Você se sente abandonado?
Evangelista -
Um pouco. A melhor explicação é: usei o que eles me ofereceram e eles me usaram. Só que fui mais usado do que usei.

Folha - Se passasse por isso de novo, o que você mudaria?
Evangelista -
Quase tudo. Parei a faculdade para divulgar o livro e não ganhei quase nada.

Folha - Você faria de novo o papel do menino de ouro?
Evangelista -
Por que não? Eu apenas quis mostrar que as pessoas que erraram também conseguem produzir frutos bons.

Folha - Em que momento você ficou mais deslumbrado com tudo?
Evangelista -
Foi depois da Bienal [de São Paulo, em 2004]. Lá conheci o presidente [Lula], o governador [Geraldo Alckmin].

Folha - Você pretendia fazer um segundo livro?
Evangelista -
Já tenho algumas páginas escritas. É a continuação. Eu já tenho o título.

Folha - E qual é?
Evangelista -
Um forasteiro na sociedade. É a continuação. A vida continua.

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