São Paulo, domingo, 29 de maio de 2005

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SÃO PAULO SUBMERSA

Especialistas culpam retificação do leito do rio e ocupação desordenada das várzeas por enchentes

Urbanização sem controle sufocou o Tietê

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Investimento feito, escavações quase concluídas, resultados expostos em cartazes. E de repente o Tietê, o rio que parecia vencido pelas margens de concreto, mostra que não foi domesticado. Invade as avenidas e São Paulo pára.
A enchente da última quarta-feira está, porém, intimamente ligada ao lema ufanista que diz que "São Paulo não pode parar". O processo acelerado de crescimento -que, num período de 120 anos, transformou uma vila de 47 mil habitantes em uma metrópole com 10,7 milhões de pessoas- foi obtido às custas de uma urbanização sem controle.
Áreas de várzeas foram ocupadas por prédios e avenidas, o solo da cidade se tornou cada vez mais impermeável e a cobertura vegetal diminuiu. Especialistas ouvidos pela Folha são unânimes ao atribuir as enchentes que atingem a cidade a problemas no processo de urbanização.
Some-se a isso a própria configuração geográfica de São Paulo: instalada numa bacia e cercada por morros e serras, a região é naturalmente alagadiça. Os rios que passam pela bacia, dentre os quais o principal é o Tietê, são originalmente sinuosos, lentos, inundam grandes áreas no período chuvoso e dispõem de um único ponto de escoamento, em Barueri (SP).
A relação que São Paulo desenvolveu com os rios é que terminou por transformar essas características naturais em problemas sociais, afirma a geógrafa Vanderli Custódio, da área temática de geografia humana do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
Segundo ela, os rios da cidade começaram a ser canalizados por dois motivos: sanitário (as inundações facilitavam a propagação de doenças) e expansionista (as áreas das várzeas eram extensas e impediam a ocupação de parte da cidade). "Mas a tendência do rio é voltar ao seu leito original", diz.
Só que essa volta ao leito original passou a afetar moradias que haviam sido instaladas próximas demais dos rios.
"A retificação ajudou a controlar as enchentes, mas também permitiu o uso do terreno ao longo das várzeas, o que foi prejudicial", diz o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, presidente da Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê.
Um projeto desenvolvido pelo engenheiro Saturnino Brito, nos anos 20, propunha a instalação, nas várzeas, de lagos e parques, cita César Neto. Mas a opção adotada pelo prefeito Prestes Maia, na década de 30, não continha esses aspectos complementares -o argumento para a mudança do projeto foi financeiro.
"O rio não enche. Nós é que invadimos a sua área de expansão", afirma o urbanista Benedito Lima de Toledo, professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). Ele ressalta, porém, que a retificação do rio não pode ser considerada o "bode expiatório" do problema.
"No meu entender, a retificação, sozinha, não é a causa [das enchentes]. O problema é que as várzeas foram ocupadas, o solo foi impermeabilizado, praças e espaços públicos foram cedidos pelo governo. Além disso, tem que haver uma educação da população: a quantidade de lixo que se joga nos rios é uma vergonha."

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