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SÃO PAULO SUBMERSA
Especialistas culpam retificação do leito do rio e ocupação desordenada das várzeas por enchentes
Urbanização sem controle sufocou o Tietê
AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL
Investimento feito, escavações
quase concluídas, resultados expostos em cartazes. E de repente o
Tietê, o rio que parecia vencido
pelas margens de concreto, mostra que não foi domesticado. Invade as avenidas e São Paulo pára.
A enchente da última quarta-feira está, porém, intimamente ligada ao lema ufanista que diz que
"São Paulo não pode parar". O
processo acelerado de crescimento -que, num período de 120
anos, transformou uma vila de 47
mil habitantes em uma metrópole
com 10,7 milhões de pessoas- foi
obtido às custas de uma urbanização sem controle.
Áreas de várzeas foram ocupadas por prédios e avenidas, o solo
da cidade se tornou cada vez mais
impermeável e a cobertura vegetal diminuiu. Especialistas ouvidos pela Folha são unânimes ao
atribuir as enchentes que atingem
a cidade a problemas no processo
de urbanização.
Some-se a isso a própria configuração geográfica de São Paulo:
instalada numa bacia e cercada
por morros e serras, a região é naturalmente alagadiça. Os rios que
passam pela bacia, dentre os quais
o principal é o Tietê, são originalmente sinuosos, lentos, inundam
grandes áreas no período chuvoso e dispõem de um único ponto
de escoamento, em Barueri (SP).
A relação que São Paulo desenvolveu com os rios é que terminou por transformar essas características naturais em problemas
sociais, afirma a geógrafa Vanderli Custódio, da área temática de
geografia humana do Instituto de
Estudos Brasileiros da USP.
Segundo ela, os rios da cidade
começaram a ser canalizados por
dois motivos: sanitário (as inundações facilitavam a propagação
de doenças) e expansionista (as
áreas das várzeas eram extensas e
impediam a ocupação de parte da
cidade). "Mas a tendência do rio é
voltar ao seu leito original", diz.
Só que essa volta ao leito original passou a afetar moradias que
haviam sido instaladas próximas
demais dos rios.
"A retificação ajudou a controlar as enchentes, mas também
permitiu o uso do terreno ao longo das várzeas, o que foi prejudicial", diz o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, presidente da
Fundação Agência da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê.
Um projeto desenvolvido pelo
engenheiro Saturnino Brito, nos
anos 20, propunha a instalação,
nas várzeas, de lagos e parques, cita César Neto. Mas a opção adotada pelo prefeito Prestes Maia, na
década de 30, não continha esses
aspectos complementares -o argumento para a mudança do projeto foi financeiro.
"O rio não enche. Nós é que invadimos a sua área de expansão",
afirma o urbanista Benedito Lima
de Toledo, professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). Ele ressalta, porém, que a retificação do rio não
pode ser considerada o "bode expiatório" do problema.
"No meu entender, a retificação, sozinha, não é a causa [das
enchentes]. O problema é que as
várzeas foram ocupadas, o solo
foi impermeabilizado, praças e espaços públicos foram cedidos pelo governo. Além disso, tem que
haver uma educação da população: a quantidade de lixo que se
joga nos rios é uma vergonha."
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