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Oficial defende tortura contra corrupção
Governo do Rio exonerou tenente-coronel da PM que, em discurso sobre corrupção policial, disse ainda ter saudades da ditadura
"Infelizmente, é democracia, eu não posso fazer isso [tortura], tenho que seguir o rito legal", diz oficial; ele não foi localizado
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
O tenente-coronel Antonio
Uostom Germano, comandante do Batalhão de Policiamento
das Vias Especiais da Polícia
Militar do Rio, defendeu a tortura como forma de punição à
corrupção policial e disse ter
saudades da "ditadura". O discurso foi feito aparentemente
em uma reunião com oficiais
sob seu comando.
Ontem à noite, Germano foi
exonerado do cargo após reunião com o comandante-geral
da corporação, coronel Ubiratan Ângelo. Foi transferido para as Unidades de Operações e
ficará sem função até o fim do
inquérito que vai apurar se
houve desvio de conduta.
No discurso, que foi gravado
e teve trechos publicados no
jornal "O Dia", o tenente-coronel critica, em tom ameaçador,
PMs que estariam cobrando
propina para fazer "requerimentos" [autorizações para requisição de policiais para eventos públicos] no batalhão.
"Era excelente antigamente:
Cê botava tomando choque a
madrugada toda, precisava punir não, choque e porrada.
Aaahhhh [simula grito de dor]!
De manhã, ele estava enquadrado, entendeu? Com o orgulho até desencarnado. Infelizmente, é democracia, eu não
posso fazer isso, tenho que seguir o rito legal. Vontade não
me falta! Não me falta", disse,
gritando, de modo teatral.
A oratória do oficial é firme,
fluente e sempre em voz alta.
Ele é o único a falar e em nenhum momento é contestado.
"Tortura! Pediu dez pratas
pro polícia. Bota ele a noite inteira! Magnésio! Os mais novos
não sabem nem o que é magnésio [eletrochoque]. Magnésio:
segura uma ponta e uãaaaaa
[simula grito de dor], treme
que nem perereca!"
Germano se formou oficial
em 1985, ano em que se encerrou o regime militar. No discurso, relativa seu desejo e diz
seguir a lei. "Como tá na democracia, eu só posso punir. Minha vontade, se tá na ditadura
militar, é botar tomando choque elétrico a noite inteira.
Meu sonho é voltar essa ditadura, ahhhhh!"
Diz que, após a tortura,
"nunca mais ele faz besteira".
"Não posso fazer, tem que seguir os limites da lei e a gente
vai cumprir os limites da lei."
Um colega de turma na Academia de Polícia Militar D.
João 6º, que contou não ser
amigo do tenente-coronel, descreveu-o como "linha-dura -
"rígido", "rigoroso"-, mas
"correto" [honesto].
Na opinião do oficial, a ênfase na oratória era "discurso
dentro da tropa" e provavelmente tinha o objetivo de evitar irregularidades. Para ele, a
gravação foi obra de alguém
com "interesses contrariados".
Germano ironiza matérias
que constam de formação de
policiais. "Eu quero saber o seguinte: e a antropologia do B.O.
[boletim de ocorrência]? E a
sociologia do auto de resistência? E a psicologia da algema?!?
Porra! Será que os inimigos não
estão entendendo que esse ensino está furado?"
No batalhão, o oficial comanda o patrulhamento de vias de
acesso ao centro, como as linhas Vermelha e Amarela e
avenida Brasil, constantes alvos de assaltos e tiroteios.
O tenente-coronel foi antes
comandante do Batalhão de
Polícia Ferroviária, onde chegou a receber da tropa o apelido de "Locomotiva descendo a
serra sem freio".
A Folha deixou recado no
celular de Germano, mas não
havia conseguido falar com ele
até a conclusão desta edição.
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