São Paulo, sexta, 29 de maio de 1998

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C. perde virgindade, engravida e pega Aids

da Reportagem Local

Há pouco mais de três anos, a comerciária C.N., 26, recebeu duas notícias que mudaram a sua vida. Primeiro, a boa: estava grávida. Depois, a má: estava com Aids, contraída do primeiro e único namorado que teve.
Foi num baile em Santo André, na Grande São Paulo, que C. o conheceu, apresentado por uma amiga em comum. Dançaram músicas românticas, coladinhos, durante toda a noite. Começaram a sair frequentemente a partir do dia seguinte ao baile onde também tinha acontecido o primeiro beijo.
Mais de 20 dias depois, em um motel, eles tiveram a primeira relação -C. já se sentia esquisita por ser a única, entre todas as amigas, a continuar virgem aos 22 anos. "Eu tinha tanto medo de engravidar que não queria", conta C. "E olha só o que aconteceu".
C. e o namorado nunca usaram preservativos. Ela acredita que ele não sabia que estava com a doença. "Acho que ele não iria fazer uma coisa dessas. Depois é que me disseram que ele era promíscuo."
Um ano depois de começar o namoro, o rapaz ficou muito doente. Na vizinhança, todo mundo comentava que ele tinha Aids. C. decidiu fazer o exame. Foi com a mãe até o Emílio Ribas, hospital especializado em doenças infecto-contagiosas na capital paulista, fez o teste e recebeu o resultado positivo como uma sentença de morte.
"No começo eu chorava muito, achava que ia morrer. Depois, decidi enfrentar a doença", diz. A filha nasceu e, embora quisesse muito, C. não amamentou a criança. "É engraçado, com a Aids o ato de amor é não amamentar."
Sem manter contato com o vírus por meio do leite, o bebê "negativou" o HIV e hoje é uma criança saudável de dois anos de idade. C. vem se tratando com o coquetel de medicamentos e também não havia desenvolvido sintomas até um mês atrás, quando pegou a primeira infecção oportunista, um princípio de meningite.
Na terça-feira, 25, ela obteve alta no Emílio Ribas após 21 dias internada. Caixa de um supermercado, ela possui um plano de saúde, mas a Aids não é coberta pelo convênio. Todo o tratamento, inclusive os remédios, é mantido pelo SUS.
Bonita, sem sinais visíveis da doença, C., que nunca mais se apaixonou por ninguém, disse se sentir feliz. "Acho que tenho muita vida pela frente." Com exceção da família, ninguém sabe que está infectada. No trabalho, a ausência foi justificada como uma licença médica por meningite.
Do namorado, que lhe transmitiu a doença e a abandonou quando soube que estava grávida, C. diz não sentir raiva. Ele continua vivo, mas não tem contato com a criança, mantida pela mãe com os R$ 300 que recebe de salário e com a ajuda da família dela.
C. diz que já não tem a mesma vontade de se divertir de antes, embora não pense na doença obsessivamente e sinta que, aos poucos, sua vida está voltando à normalidade do período pré-HIV. "Hoje, eu tenho medo, porque os homens não querem usar camisinha e eu não vou fazer ninguém infeliz. Mas ainda quero encontrar uma pessoa que goste de mim, quero me casar." (CM)



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