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"Não há recursos para atender todos'
LUCIA MARTINS
da Reportagem Local
O infectologista David Uip afirma que o atendimento universal
-previsto na Constituição- é
um "engano de retórica". Segundo Uip, não é possível dar um
atendimento decente a toda a população com os recursos disponíveis hoje para a Saúde.
"O Estado tem de ir a público
dizer o que pode e o que não pode
fazer. O que não pode ocorrer são
duas filas: uma que não anda e outra que anda, que é a do convênio.
Não pode haver fila dupla", afirma
Uip, que é professor livre-docente
de doenças infecto-contagiosas e
parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo e diretor da Casa da Aids.
O infectologista afirma que a
única solução para a crise é retirar
das "costas" do SUS (Sistema
Único de Saúde) os 41 milhões de
pessoas que hoje pagam planos de
saúde.
"Se você tira da responsabilidade do SUS os 41 milhões, quem fica vai ser mais bem atendido."
Folha - Na sua opinião, o que está errado com a saúde do país?
Trata-se de uma questão de modelo, de recursos ou de gestão?
David Uip - Acho que é um misto de falta de dinheiro e de má gestão. Duas coisas são claras. Não é
possível que quem paga plano de
saúde também se sirva da rede do
SUS (Sistema Único de Saúde). Os
planos têm de ser responsáveis por
seus segurados. Têm de cobrir tudo. Na minha cabeça, não tem lógica que o SUS acabe pagando
também por quem paga planos ou
seguros saúde.
Folha - E os recursos para a saúde, são insuficientes?
Uip - A saúde tem de ter mais
recursos. Falta dinheiro, é claro.
Mas tem de haver também um gerenciamento com mais competência. O dinheiro que sai do caixa
tem de chegar igual na ponta. Isso
só ocorre com vigilância. Quem
vai fiscalizar? Na minha opinião,
um conselho comunitário. Então,
são necessários recursos, gerenciamento e priorização.
Folha - O sistema proposto na
Constituição -o atendimento universal convivendo com a iniciativa
privada- é viável para o país?
Uip - Acho que isso é um engano de retórica. Não há recursos para atender todos com dignidade.
Acho que o Estado tem de saber
até onde pode chegar, e a sociedade vai ter de se virar para fazer o
resto. O modelo já está pronto.
São os planos de saúde e convênios que têm de arcar com o que
está combinado. Sou a favor do lucro, mas, em saúde, deve ser um
lucro com ética. O que não pode
ocorrer são duas filas: uma que
não anda e outra que anda, que é a
do convênio. Não pode haver fila
dupla. Se você tira da responsabilidade do SUS os 41 milhões de pessoas que têm plano de saúde, o
atendimento para quem fica vai
melhorar. Aí essa mentira acaba.
Folha - Como o sr. vê o papel de
modelos como as fundações, as organizações sociais e o PAS?
Uip - O PAS é uma idéia interessante. Mas acho que há falha na
fiscalização dos recursos. É nisso
que o sistema tem de funcionar, e
perfeitamente. Em saúde, não pode haver mau uso de verbas. Isso é
um crime. Se o indivíduo rouba do
serviço público, tem de ser preso.
Mas, se rouba da saúde, ele tem de
sofrer as piores punições. Pena
máxima para esses criminosos. Já
as fundações, como a Zerbini (do
Instituto do Coração de São Paulo), costumam funcionar bem. No
Incor, ela conseguiu elevar a qualidade do atendimento. O grande
problema é que, como é um instituto muito respeitado, ele atende
uma demanda muito grande, o
que faz com que o pronto-socorro
esteja sempre no gargalo.
Folha - Na questão da Aids, o sr.
também defende que os recursos
têm de ser gastos apenas com
quem realmente não pode pagar?
Uip - O fato de distribuir remédios contra o vírus (HIV, que causa a Aids) para todos acaba barateando o custo final da doença. Isso já está provado. A Casa da Aids
reduziu 84% dos custos após o uso
dos medicamentos. Mas, ao mesmo tempo, acho que as empresas
poderiam participar mais, ajudando a comprar remédios.
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