São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

Opções de vida

A vida é muito interessante e não pára de mudar; ou somos nós que mudamos a vida o tempo todo? Por isso não consigo imaginar, admitir, acreditar, conceber que alguém possa se cansar de viver ou ter um minuto de tédio durante a vida.
Bem, como eu já contei, passei dois meses com o braço engessado, e durante esse tempo a única roupa que podia usar era uma camiseta de homem bem grandona, para que o braço com gesso passasse pela manga. Providenciei quatro -R$ 18 cada uma-, nas Lojas Americanas: duas brancas, uma preta, uma azul-marinho, e como fiquei com medo de escorregar de novo, sapato, só tênis.
Durante esses dois meses, esse foi meu uniforme, e no quesito moda nunca fui mais feliz. Agora, que posso usar o que quiser, me deu o maior cansaço de roupa, porque percebi que tanto faz se a camiseta for Chanel -US$ 350- ou do camelô. A não ser as pessoas que só pensam nisso, têm um olho de microscópio e sabem, ao primeiro relance, onde foi comprado o botão de sua blusa, ninguém está nem aí. Durante o espaço de uma vida são tantas horas pensando em roupa, tanto dinheiro gasto em roupa, e daí? É bem possível que essa vaidade volte, mas vou ter muitas saudades do tempo em que não pensei durante um só minuto no que eu ia usar.
Voltando ao assunto dieta: já contei que nesses dois meses entrei nos mais deliciosos prazeres do paladar, e o resultado foram quatro quilos a mais, coisa que ja-mais me aconteceu. Entrei naquela de "eu quero é ser feliz", mas na última quarta-feira fui me vestir para sair, o zíper da calça não fechou e estou sem saber o meu destino: se entro em depressão ou se assumo que virei uma gordinha. Parafraseando o deputado José Genoino: quem sempre foi gordinha é uma coisa, quem sempre foi magrinha e fica gordinha é outra coisa.
Fiquei pensando na minha antiga vida de magra. A qualquer hora do dia ou da noite, se eu via na TV ou numa foto um pedaço de pizza com queijo derretendo -como é lindo!- ou um Sonho de Valsa, imediatamente vinham, em cadeia, diferentes sensações: a do desejo, seguida imediatamente pela frustração de não poder provar do fruto proibido, e, se provasse, a culpa acompanhada do castigo: os quilos que nem tardam nem falham. E isso é justo?
Tenho uma amiga que mora em Paris e que há 25 anos não come um chocolate. Detalhe: ela adora chocolate.
A vida é sempre um problema de custo/benefício; no caso dela, o benefício é um só: quando entra nos lugares, ouvir das amigas "como você está magra, que coisa maravilhosa, como faz para conseguir manter esse corpinho de sílfide" etc. e tal. A partir daí a noite está resolvida, e o único assunto será dieta, dieta, dieta -e ginástica. Uma bebida na mão e, a cada bandeja de canapé que passa, vários sofrimentos: desejo, frustração e culpa. Ou sofre pelo desejo não realizado, ou come quatro e vai morrer de culpa, e de qualquer maneira vai ficar frustrada porque gostaria de ter comido 38. Isso lá é vida?
Outro dia vi Sharon Stone na TV, com um vestido bem decotado; dava para contar todos os ossos do seu colo, e me lembrou um esqueleto. Será que é por aí?
Como diz uma amiga, prazer faz bem à saúde, e não sei se viver para ser magra é dos objetivos mais nobres do ser humano. Sendo assim, tenho que fazer uma opção: ou continuo gordinha, ou volto à vida que todo mundo sabe, ou providencio dois gessos móveis, um para o braço e outro para a perna.
Dessa maneira o assunto moda fica automaticamente superado, e ninguém nunca vai reparar se estou gorda ou magra.
Felizes mesmo são as muçulmanas, que só tiram as burcas em casa, para os maridos -que, aliás, a-do-ram uma mulher bem cheinha.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


Texto Anterior: Prefeitura quer incentivar troca gradual
Próximo Texto: Há 50 anos: França discute defesa européia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.