São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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AMBIENTE

Metal é uma ameaça à fauna e, indiretamente, à população da região, que se alimenta dos animais e os comercializa

Mercúrio contamina mangue de Cubatão

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

O já comprovadamente degradado mangue da região do estuário da Baixada Santista, que engloba os municípios de Santos, São Vicente e Cubatão, no litoral paulista, tem um "novo" e extremamente perigoso poluente: o mercúrio (Hg), cuja forma metálica foi encontrada em concentrações acima do limite estabelecido pela Cetesb (agência ambiental estadual), em pontos do sedimento dos rios Cubatão e Mogi.
A contaminação é uma ameaça à fauna da região (peixes, caranguejos, siris etc.) e, indiretamente, à população local, que se alimenta desses animais e frequentemente os comercializa nas estradas que dão acesso ao litoral. Muito próximo aos locais onde foram registradas as altas concentrações de mercúrio, na cidade de Cubatão, moram cerca de 20 famílias, muitas das quais também cultivam legumes para consumo próprio.
Essas pessoas estão sendo relocadas pela prefeitura, não em razão da contaminação, mas pelo fato de ocuparem indevidamente uma área de proteção ambiental.
A ingestão de animais ou vegetais contaminados por mercúrio é uma das mais graves formas de intoxicação pela substância, que pode se dar também pelo contato direto com o metal (líquido) ou aspiração de ar por ele poluído.
Em casos extremos, o mercúrio acumulado no organismo pode causar danos permanentes no sistema nervoso (irritabilidade, tremores, alterações de visão e audição e perdas de memória), nos rins e afetar o desenvolvimento de fetos, segundo a ATSDR (sigla em inglês para a Agência de Registro de Doenças Causadas por Substâncias Tóxicas, dos EUA).
A maneira mais comum de o mercúrio entrar na cadeia alimentar é por meio da sua "organificação". O metal, geralmente lançado no ambiente pela atividade industrial, pode reagir com o carbono -por ação de bactérias presentes no solo e na água-, e formar o mercúrio orgânico, cuja forma mais conhecida é o metilmercúrio. Os animais são contaminados ao ingerir os sedimentos onde a substância se acumula.
É essa a maior preocupação da geóloga Luciana Ferrer, do Instituto de Geociências da USP (Universidade de São Paulo). Foram as pesquisas realizadas por ela para sua dissertação de mestrado, sob orientação do professor Raphael Hypolito, que resultaram na identificação do mercúrio em excesso.
"Apesar de ter encontrado o mercúrio na forma de metal, o mangue é um ambiente que tem grande quantidade de matéria orgânica, o que facilita a formação do metilmercúrio. Por isso as pessoas que vivem lá correm um duplo risco: o do contato com o metal puro e o de ingerir alimentos contaminados", afirma.

Partes por milhão
Entre 1998 e 2000, a pesquisadora coletou amostras de água (11 pontos) e solo (12 pontos) do mangue na área de Cubatão.
Em dois pontos de terra inundável -um dos quais bem próximo à ocupação humana-, foram registradas concentrações de 0,06 ppm (partes por milhão) de mercúrio, enquanto o limite de referência -acima do qual o solo já não é mais considerado limpo e não pode ser usado para qualquer fim- estabelecido pela Cetesb é de 0,05 ppm (ver quadro abaixo).
Nas águas do rio Cubatão, o metal não foi encontrado acima do padrão permitido, o que, na avaliação de Luciana, só reforça a hipótese de que a substância já tenha reagido com o carbono, formado metilmercúrio e sido ingerida pelos animais do mangue.
A pesquisa "Sistema Estuarino de Santos e São Vicente", realizada pela Cetesb no mesmo período que o estudo de Luciana, mas não na mesma área, avaliou a fauna do estuário da baixada por amostragem e não registrou nenhum animal com concentração de mercúrio acima do permitido pela legislação brasileira (0,5 micrograma por grama de massa).
Na opinião de Marta Lamparelli, gerente da Divisão de Análises Hidrobiológicas da agência, que elaborou o estudo, o mercúrio metálico encontrado por Luciana no sedimento deve ter se acumulado de forma pontual, mas não entrou na cadeia alimentar. A pesquisa da Cetesb só investigou a presença de contaminantes na água, e, assim como a da geóloga da USP, não encontrou mercúrio em altas concentrações no meio.
"Na nossa avaliação, não há nenhum problema no consumo de peixes ou caranguejos do estuário", afirma Marta. Ela diz, porém, que a Cetesb já começou a se reunir com os centros de vigilância Sanitária e Epidemiológica do Estado, a fim de realizar uma análise mais aprofundada das substâncias químicas às quais a fauna do mangue está exposta e quanto dela a população consome.

Níveis de exposição
Embora a Organização Mundial da Saúde estabeleça uma concentração limite no organismo humano de 50 ppm de mercúrio -a partir da qual os primeiros sintomas físicos de intoxicação começam a aparecer-, pesquisadores brasileiros e canadenses que estudam populações contaminadas na região do rio Tapajós identificaram sinais de problemas de saúde similares aos causados pelo metal em pessoas que só tinham 15,9 ppm de mercúrio no cabelo.
Eles relatam ter aplicado testes simples de coordenação e visão em moradores da vila Brasília Legal (PA), cujos resultados mostraram um declínio na coordenação motora, na destreza manual e em algumas funções visuais.
A conclusão a que os pesquisadores chegaram é que não é necessário haver um incidente nas dimensões do despejo de mercúrio ocorrido em meados dos anos 50 na baía de Minamata, no Japão -que matou pelo menos cerca de 1.400 pessoas-, para que a substância cause males à saúde.
É mais ou menos a mesma opinião do Conselho Nacional de Pesquisas das Academias Nacionais dos EUA (conselheiras do governo para questões científicas e técnicas), que recomendou, em 2000, mais investigações sobre os efeitos da exposição duradoura a baixos níveis de mercúrio.


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