São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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TRANSPORTE

Dono do segundo maior grupo de ônibus de SP diz que contratou militante do PT por sugestão de secretário de Marta

Empresário confirma indicação de petista

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário de ônibus Romero Teixeira Niquini, 48, segundo maior da capital paulista, afirmou ontem ter contratado Willian Ali Chaim, militante histórico do PT, após indicação do secretário dos Transportes do governo Marta Suplicy, Carlos Zarattini.
Em sua primeira entrevista à Folha desde abril de 2001, Niquini disse que pretendia deixar de operar suas viações na capital paulista, mas mudou de idéia com a indicação de Zarattini, após ser convocado para um encontro, em maio deste ano.
Chaim se tornou diretor-presidente do grupo de ônibus. "E, para isso, eu achava que eu estava dentro do sistema, que eu era bem-vindo", afirma Niquini.
A informação, que é negada por Zarattini, já havia sido dada há dez dias pelo próprio Chaim, que já trabalhou com José Dirceu, presidente nacional do PT, Rui Falcão, secretário de Governo de Marta, e na campanha a deputado federal de Ricardo Zarattini, pai do secretário dos Transportes.
Há 50 dias, a prefeitura rompeu os contratos que mantinha com as viações de Niquini por irregularidades na prestação de contas da arrecadação. A frota dele, de 900 ônibus, foi encampada, mas os 71 veículos novos, de fabricação 2002, já foram retirados de circulação -os últimos 24 deixaram as ruas ontem, porque as parcelas de financiamento não vinham sendo pagas ao banco.
Niquini diz que relatórios da SPTrans (São Paulo Transporte) confirmam não ter havido prejuízos ao sistema por causa da prestação de contas de suas viações.
Na entrevista, ele também comenta a sua relação com as administrações petistas. De um ano para cá, Niquini comprou duas empresas do setor de limpeza urbana que atuam em prefeituras do PT, herdando contratos que atingem R$ 70 milhões -a Emparsanco Belém Ambiental, da capital do Pará, e a Cliba, de São Paulo.

Folha - A prefeitura rompeu os contratos com as empresas de ônibus do sr. sob a alegação de fraude nas contas. O que aconteceu?
Romero Niquini -
É uma maldade, não só do secretário [Zarattini", como da SPTrans, porque eles conhecem a verdade. Existem relatórios assinados por diversos funcionários da SPTrans que dizem que nós não geramos prejuízos ao sistema. Nós tínhamos que declarar uma receita de R$ 332 mil e declaramos R$ 335 mil.

Folha - Por que haveria interesse dele em prejudicá-lo?
Niquini -
No primeiro semestre, eu achei que nós não éramos bem-vindos no sistema de São Paulo dada a quantidade de multas que nossas empresas sofreram, totalizando R$ 6 milhões. Vimos que não iríamos aguentar e estávamos preparados para sair do sistema, quando ele [Zarattini] me convocou perguntando se eu queria sair do sistema.

Folha - Qual foi a reação do sr.? Niquini - Eu falei que, se achasse oportunidade, sairia. A conversa foi se desenvolvendo quando ele me sugeriu que eu contratasse um operacional e me sugeriu Willian Chaim. Como ele fora comentado por outras pessoas, eu resolvi chamá-lo para conversar. Imediatamente, coisa de duas horas depois, liguei para Zarattini: "Estou contratando". E me senti confortável: "Se ele está me indicando alguém para poder operacionalizar minhas empresas, é porque não me querem fora do sistema, é porque acham que eu tenho espaço". E, realmente, a indicação foi perfeita. Em junho, Chaim virou presidente, com um resultado fantástico. Eu só posso agradecer ao secretário pela indicação. E, para isso, eu achava que estava dentro do sistema, que era bem-vindo.

Folha - Qual era a intenção do secretário com a indicação?
Niquini -
A indicação dele foi realmente para nos ajudar.

Folha - Mas por que, então, ele rompeu os contratos?
Niquini -
É inexplicável. Não consigo imaginar. Talvez, para demonstrar poder. O secretário é muito poderoso. Ele é talvez um dos secretários mais poderosos do Brasil, pelo menos financeiramente. Ele administra hoje R$ 3 bilhões por ano [contando a arrecadação tarifária do sistema e as verbas orçamentárias".

Folha - O sr. mantinha um bom contato com Zarattini para ele dar uma indicação?
Niquini -
Sempre mantive. Mas desconhecia esse lado autoritário e até de certa forma de ditador do secretário. A partir da intervenção da prefeitura, não fomos chamados para discutir. Não tivemos outra opção, a não ser ir à Justiça. Talvez, quem administra R$ 3 bilhões se sinta tão forte que passa até a desrespeitar a Justiça. A decisão judicial diz que ele não pode redistribuir linhas de ônibus e várias coisas que ele vem fazendo.

Folha - O sr. vê com naturalidade uma indicação do secretário dos Transportes a um grupo de ônibus?
Niquini -
Com certeza. Ele estava querendo resolver um problema do transporte, achava que a nossa empresa não estava trabalhando em sua plenitude. Eu achei, com naturalidade, que ele estava querendo me ajudar.

Folha - Em quase dois anos de relacionamento com a administração Marta, é possível dizer se há algum esquema irregular na prefeitura?
Niquini -
A única estranheza que me causa é esse contrato emergencial de 31 de julho [assinado por seis meses e que chegou a ser boicotado por algumas viações, inclusive as de Niquini", que, não posso te afirmar se tem alguma coisa, mas, aparentemente, estaria beneficiando algumas áreas.

Folha - Os contratos do sr. com administrações petistas já foram alvo de suspeita do Ministério Público e de vereadores. Trabalhar com governos do PT é bom?
Niquini -
Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, ficou mais fácil trabalhar com as prefeituras. Se você faz seu serviço, recebe. Se não faz, não recebe. Então, é como se nós estivéssemos trabalhando para qualquer cliente normal. Eles são sérios.

Folha - Mas é bom trabalhar com administrações petistas?
Niquini -
Com certeza. Toda administração séria é bom para se trabalhar.

Folha - O sr. foi procurado neste ano pelo PT para financiar campanhas?
Niquini -
Não, em momento algum, mesmo porque nós já estamos nesse briga com a Secretaria dos Transportes desde a hora do afunilamento da campanha.

Folha - O que o sr. achou da eleição do Lula?
Niquini -
Acho que devemos sentir um orgulho muito grande. É uma esperança. O Lula já demonstrou sua competência, vai ser um cara que vai surpreender muito. Estava na hora de mudar.


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