São Paulo, terça-feira, 29 de novembro de 2005

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Políticos ligados aos direitos humanos dizem que paciente terminal não tem acompanhamento noturno em presídio

Comissão aponta atendimento falho a idosa

DA REPORTAGEM LOCAL

A ex-bóia-fria Iolanda Figueiral está presa sem condições adequadas para o tratamento da doença, segundo integrantes das comissões de direitos humanos da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal de São Paulo.
Ontem à tarde, eles foram até a enfermaria da Penitenciária Feminina do Tatuapé, na zona leste, verificar a situação de Iolanda.
Segundo o deputado estadual Ítalo Cardoso (PT), a presa, com câncer de ovário e de intestino, recebe só analgésicos. "É óbvio que ela não está no lugar adequado."
Cardoso afirma que a presa é atendida por uma auxiliar de enfermagem durante o dia. Mas, à noite, não teria nenhum funcionário na área de saúde para atendê-la no caso de uma emergência. "À noite, ela fica ao deus-dará. Não há ninguém para atendê-la."
Segundo informações conseguidas por Cardoso junto a funcionários, Iolanda não passou por nenhum exame para saber a evolução da doença. "É quase como você ter um câncer e receber só aspirina. A situação é muito grave", afirma o deputado estadual.
Funcionários da penitenciária também informaram à Folha que a enfermaria não está preparada para atender um caso de tamanha gravidade.
A Folha procurou a Secretaria da Administração Penitenciária, mas a assessoria informou que o secretário Nagashi Furukawa só falará sobre o caso hoje.
Iolanda reclama de dores. Diz que quer voltar para sua casa, em Campinas, onde realizava tratamento em um hospital próximo.
O câncer em fase terminal -ela foi submetido a uma cirurgia para desobstrução intestinal três dias depois de sua prisão e hoje usa uma bolsa de colostomia- foi usado pelo advogado dela para tentar a sua liberdade provisória, indulto ou até prisão albergue domiciliar (quando o acusado fica em casa por problemas de saúde).
Todos os pedidos foram negados pela 6ª Vara Criminal de Campinas e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O juiz de primeira instância José Guilherme Di Rienzo afirmou que apenas cumpriu a lei de crimes hediondos, em vigor desde 1990. A lei veta a concessão de indulto ou liberdade provisória e estabelece que a pena deve ser cumprida integralmente em regime fechado
O advogado de Iolanda, Rodolpho Pettená Filho, disse que pretende ingressar com um habeas corpus, com pedido de liminar (decisão rápida e provisória), até o final da semana. "Vou insistir até a última instância. Não é justo que uma mulher idosa, cuja acusação ainda nem foi provada, morra no cárcere, longe dos filhos", disse. Iolanda tem quatro filhos, 15 netos e 15 bisnetos.

Crítica à lei
Nos pedidos de liberdade feitos à Justiça, Pettená Filho criticou a Lei de Crimes Hediondos. Para ele, a lei foi feita apenas para punir os réus pobres.
"Pela lei de crimes hediondos, pode-se ficar mais tempo na cadeia por tráfico de drogas do que por um crime grave contra vida", afirma o advogado Eduardo Reale Jr., que faz parte do conselho da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo.
No caso de homicídio simples, o réu pode receber progressão para o semi-aberto depois de cumprir um sexto da pena. No tráfico, tem de cumpri-la integralmente em regime fechado.
"Essa lei é a mais esdrúxula do país. Até pela elasticidade que se pode caracterizar alguém como traficante", diz Reale Jr.
Para o juiz aposentado Alberto Silva Franco, do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a Lei de Crimes Hediondos é a "maior excrescência" da legislação penal brasileira. Autor de um livro sobre a lei, Franco afirma que ela é inconstitucional porque produz "distorções fantásticas". "Essa lei provocou muitas distorções. Não há um razoável equilíbrio entre crime e pena. Por isso, ela é inconstitucional."


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