São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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ESTADO SUBMERSO

Após mais desabamentos, moradores são retirados à força de área de risco

Quatro pessoas morreram durante a madrugada na divisa das cidades de Ilhota e Gaspar; Defesa Civil contabiliza 105 mortos no Estado

"Não quero perder mais ninguém. Se for necessário, as pessoas virão algemadas", disse Ademar Felisky, prefeito reeleito de Ilhota

Fernando Donasci/Folha Imagem
Bombeiros retiram corpo de helicóptero em Gaspar, onde ocorreram deslizamentos; cidade é terceira com mais mortos, 15

ALENCAR IZIDORO
ENVIADO ESPECIAL A ILHOTA E A GASPAR

Os deslizamentos na região de Santa Catarina mais atingida pela chuva se agravaram, provocaram ao menos mais quatro mortes e as equipes de resgate deram ordem para retirar à força os moradores que se recusavam a deixar suas casas perto de Ilhota e Gaspar.
O clima de desespero e confusão era perceptível não só entre moradores como entre autoridades e bombeiros, especialmente após nova avalanche de terra desabar em um imóvel em Arraial, na divisa de Gaspar com Ilhota, e matar ontem três adultos e uma criança. Dois deles já tinham sido retirados do lugar de perigo nesta semana, mas decidiram voltar para recuperar documentos e resolveram dormir no local.
Até ontem, a Defesa Civil contabilizava 105 mortos no Estado por conta da chuva.
A saída e chegada nas áreas de risco seguiam fora de controle. Dezenas de moradores voltavam a pé por meio de trilhas para tentar recuperar documentos e bens mais valiosos. Havia relatos de saques a casas tanto em Arraial como no complexo do Baú. Alguns já foram resgatados por helicópteros no mesmo lugar até três vezes.
"Não quero perder mais ninguém. Se for necessário, as pessoas virão algemadas", declarou Ademar Felisky, 46, prefeito reeleito de Ilhota (PMDB), após reunião com representantes do Exército, dos Bombeiros e da Força Nacional (que chegou anteontem ao município).
No início da tarde, ele falava em ao menos 37 mortos e mais de 40 desaparecidos. Mais tarde, bombeiros diziam que as mortes em Ilhota somavam 33, mas iriam aumentar. À noite, afirmavam que mais vítimas, em número incerto, haviam sido achadas. Oficialmente, a Defesa Civil apontava 29 mortes.
"Há corpos que nunca serão encontrados", disse Felisky, ressaltando que os desalojados já ultrapassam 10% de uma população de 11 mil habitantes.
Com a ordem de retirar os moradores à força, quatro ônibus foram deslocados ao Braço do Baú. Helicópteros descarregaram dezenas de habitantes resgatados de diversas áreas. Um casal foi levado abalado ao posto médico improvisado de Ilhota, dizendo estar sem comer há quatro dias. A estimativa era de 150 pessoas que resistiam a deixar suas casas. O próprio vice-prefeito, Antônio Schmitz, 49, teve que abandonar a sua com a família.
Maicon Junklay, 22, foi retirado do Alto do Baú na segunda-feira, mas saiu do abrigo com um grupo de 19 pessoas na manhã de ontem para tentar voltar ao bairro -parte do caminho de carro, parte de jipe, parte a pé. "Eu tinha que buscar alguns papéis, como a minha carteira de trabalho, e a gente também queria tirar nossos amigos de lá. Teve três que se esconderam no salão da igreja e não queriam sair de jeito nenhum", disse, ao ser resgatado por um helicóptero à tarde.
A variação dos riscos na parte mais baixa do Braço do Baú viraram motivo de divergências e confusão. Geólogos sobrevoaram a área e saíram de lá com opiniões diferentes: um pensava que até esses moradores precisavam sair de lá, principalmente devido à previsão de chuva forte hoje; para outro, a medida era desnecessária.
O racha atingiu as equipes de busca, que discutiram entre si. Bombeiros voluntários se diziam desprestigiados com a ação dos bombeiros militares.
A informação chegou aos desabrigados que estavam alojados no centro, alguns passaram a voltar e outros manifestaram a mesma vontade. A divergência também colocou em xeque a continuidade da ordem de retirada da população à força.
A retomada dos fortes deslizamentos ocorreu a partir do final da tarde de anteontem, quando a reportagem presenciou, no Braço do Baú, a avalanche de terra derrubar uma casa no mesmo lugar onde tinha passado, minutos antes, na companhia de outros jornalistas, moradores e um bombeiro, além do vice-prefeito de Ilhota.
A queda de barreira em Arraial durante a madrugada, apesar de matar três adultos (Alcido Oechsher, 52, e dois homens conhecidos como Vico, 22, e Iuri, 62) e uma criança (Luiz Fernando Oechsher, 10), não era suficiente para motivar alguns vizinhos a sair de lá. "Minha casa não é grudada no morro. Fica a cem metros de lá", disse José da Silva, o Zeca, 44, convencido de que essa distância era segura.
Ele, que foi resgatado à tarde com dois irmãos e seu pai, estava revoltado por ter sido retirado quase que à força. Foi transportado de helicóptero à cidade de Gaspar só com a roupa do corpo, toda suja, e descalço.
"Seus vagabundos. Vou voltar a pé. Vão ter que me pagar tudo aquilo que me roubaram", gritava Zeca, desesperado, ao descobrir que os bombeiros tinham mentido ao lhe garantir que um amigo dele tinha sido resgatado também. "Meu amigo ficou sozinho. Falaram mentira, trapacearam", reclamava.


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