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ANÁLISE
Sem controlar a corrupção de policiais, o crime ainda continuará
MICHEL MISSE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Vejo ainda agora, nesta
tarde de domingo, os repetidos lances de uma histórica
operação policial e militar,
nos morros que cercam parte
dos bairros da Penha e Olaria.
Canais de televisão transmitem, à náusea, as declarações de comandantes, delegados, secretários, comentaristas, repórteres e especialistas, informando-nos do
momento histórico.
Uma força de 2.700 homens apreendeu grande
quantidade de maconha, um
bom número de armas e conseguiu a rendição de criminosos, naquela que já é apresentada como a "conquista
do Alemão".
Não é a primeira vez que a
polícia carioca adentra a região. Mas é certo que nunca
antes uma ação policial nesta área contou com tão grande número de policiais e com
o inédito apoio de blindados.
Da última vez que houve
ação no Alemão, há quase
três anos, para iniciar as
obras do PAC, foram mortos
19 suspeitos. Desta vez, a operação tem sido conduzida
com mais cuidado.
A cobertura midiática, que
transmitiu o recado, não poderia tolerar outra alternativa
que não esta, embora muitos
telespectadores tenham torcido para um extermínio em
massa dos criminosos.
Muitos ainda se perguntam se foi um golpe mortal no
tráfico do Rio. Penso que não.
Nos últimos dois anos, só
no Alemão, foram apreendidas 1.070 armas, efetuadas
1.200 prisões e 270 suspeitos
mortos pela polícia.
Mas pode-se dizer que é a
primeira vez que há uma
"conquista de território" pelo
Estado. Não é bem verdade e
não se sabe se essa "conquista" será por muito tempo.
Trago essas questões não
para diminuir a importância
da operação, mas para argumentar para a complexidade
de um problema que pode estar sendo reduzido a roteiro
de filme de ação.
A reprodução e fortalecimento do tráfico de varejo no
Rio sempre dependeram da
oferta de proteção de policiais corruptos às redes de
facções. Como também do
tráfico de armas, que não é
operado por amadores nem
pelos traficantes de drogas
que abastecem os morros.
Sem controlar a corrupção
na polícia e sem interromper
a chegada das armas, provavelmente seremos obrigados
a perder outros domingos assistindo a operações policiais
heroicas pela televisão.
MICHEL MISSE é chefe do Departamento
de Sociologia da UFRJ e coordenador do
Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e
Violência Urbana da UFRJ
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