São Paulo, domingo, 30 de março de 1997.

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RELIGIÃO
Seguidores fanáticos de padre Cícero vivem em casas sem luz e água encanada e têm todos o mesmo nome
Seita de Juazeiro espera o fim do mundo

PAULO MOTA
em Juazeiro do Norte (CE)

Uma seita de fanáticos fiéis do padre Cícero Romão Batista adota, no cotidiano, rituais de penitências e sacrifícios como forma de salvar a alma diante da iminência do fim do mundo, profetizada por eles para ocorrer até o ano 2.000.
Autodenominados de ``aves de Jesus penitentes do padre Cícero Romão Batista'', eles são conhecidos popularmente como ``penitentes'' ou ``borboletas azuis'', devido às fardas azuis que usam.
Moram em uma comunidade de cerca de 40 adeptos, no bairro do Tiradentes, em Juazeiro do Norte (528 km de Fortaleza), cidade em que viveu padre Cícero.
Juazeiro é definida pelos integrantes da seita como a ``terra prometida por Moisés''. Para eles, a passagem de padre Cícero pela cidade foi um sinal de que Deus escolheu Juazeiro como ``porto seguro'' para o final dos tempos.
Eles não definem com precisão o dia em que o mundo vai acabar, mas afirmam que será em forma de fogo. A suposta profecia foi revelada ao líder da seita num sonho em que padre Cícero lhe deu a missão de organizar um grupo capaz de ``morrer em vida e orar pela salvação da humanidade''.

Sem passado
Um dos mandamentos da seita exige que o fiel negue sua identidade ao aderir ao grupo, renegando literalmente todo o seu passado.
Nenhum dos ``penitentes'' tem autorização para dizer o seu nome e o que fazia antes da adesão.
A seita foi fundada na década de 70 por um pernambucano de aproximadamente 50 anos, que, a exemplo de todos homens do grupo, é conhecido como José Aves de Jesus. Todas as mulheres são conhecidas por Maria Aves de Jesus.
O líder do grupo, que se distingue dos outros por ser corcunda, justifica a mudança de identidade de seus seguidores usando uma das diretrizes da seita.
``Quem participa de nosso rebanho resolveu morrer para a vida dos homens. Não importa o que fez no passado, mas sim o que vai fazer para salvar nossas almas.''
Os ``penitentes'' de Juazeiro são adeptos da castidade, não participam de festas nem usufruem de conforto tecnológico. Em suas casas não há energia, água encanada e relógios. Eles não falam ao telefone nem circulam em automóveis.
Os seguidores da seita costumam fazer caminhadas de até 120 km em ``missões de pregação'' por cidades vizinhas, como Cajazeiras (PB), Brejo Santo (CE) e Exu (PE).
Os ``penitentes'' recusam-se a usar dinheiro e adotam o escambo como prática comercial. As crianças do grupo não estudam em colégios públicos e se alfabetizam com os fiéis mais velhos.
Para os ``borboletas azuis'', Deus fez a noite para os animais e, por isso, eles se recolhem às 18h e acordam às 6h. O líder da seita diz que o grupo não trabalha porque precisa de tempo para rezar. Seus rituais duram até 5 horas diárias.
Os ``penitentes'' acreditam que padre Cícero ``é a reencarnação de Deus''. Acompanham missas do lado de fora das igrejas.

Padre Cícero
O padre Cícero Romão Batista nasceu em Crato (CE), em 24 de março de 1844, mas foi em Juazeiro que exerceu sua liderança religiosa. Morreu aos 90 anos.
Em 1º de março de 1889, a beata Maria de Araújo afirmou que uma hóstia dada pelo religioso transformou-se em sangue ao chegar em sua boca. O suposto ``milagre'' repetiu-se por dias seguidos e repercutiu em todo o país.
O episódio foi considerado uma farsa pela igreja. O padre passou a se dedicar à carreira política -foi prefeito de Juazeiro e vice-presidente da Província do Ceará.

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