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MARILENE FELINTO
Propaganda e mentira: da Shell à reforma agrária
A melhor coisa da derrocada da candidatura de
Roseana Sarney à presidência
não foi o desmascaramento fácil
dos bastidores apodrecidos da política do PFL e do Maranhão.
Qualquer sopro nessa direção
derrubaria Roseana (como derrubou). O melhor mesmo foi a
desconstrução instantânea, a implosão mesmo, da imagem que a
propaganda já se gabava de ter
criado para a beldade da oligarquia maranhense.
O melhor foi a rasteira bem dada na arrogância desses publicitários brasileiros, dos chamados
"marqueteiros" -eles que gostam de posar de heróis dos cifrões,
de meninos prodígios do poder da
grana sobre as mentalidades fracas e desavisadas. Não passam de
camelôs de luxo, vendedores da
cerveja e do cigarro que segue envenenando legiões inteiras de jovens idiotas de norte a sul do país.
São o supra-sumo da consciência
medíocre, da superficialidade de
valores, da bestice nacional.
O slogan deveria ser mudado
para "a propaganda é a alma da
corrupção". Basta ver o caso da
Shell em São Paulo. A empresa,
acusada de deixar vazar pesticidas tóxicos em 180 mil m2 (o
equivalente a 25 campos de futebol) de terreno da Vila Carioca,
bairro pobre na zona sul da cidade, e pôr em risco de contaminação 30 mil pessoas da região, tem
afrontado os brasileiros com uma
propaganda cínica de cuidados
com o meio ambiente.
A Shell veio da Holanda. Se o
Brasil fosse a Holanda, a empresa
certamente ia jogar sua borra
pesticida para bem longe daqui.
Mas não. Como aqui não passa
da republiqueta brasileira, ela
afronta o povo, faz propaganda
mentirosa na TV, em pleno horário nobre, mostrando uma mocinha loira à beira de um lago cercado de relva verdejante -uma
bióloga não-sei-quem (se não me
engano de profissão), mostrando
como a empresa holandesa se
preocupa com a natureza!
O MST é que tinha razão. O governo Fernando Henrique também faz propaganda enganosa.
Mente quando diz que fez a
maior reforma agrária da história do país, que assentou 600 mil
famílias. "Assentar" significa dar
sustentabilidade, ou seja, a família precisa ter o lote demarcado,
estar instalada em local com
água, luz e esgoto, ter acesso aos
serviços de assistência técnica e
capacitação.
Na contagem do governo FHC,
entram famílias que se cadastraram pelo correio e que nem chegaram ainda à tal da terra que seria dada a elas. Só tem mato onde
deveria haver gente assentada.
Por vezes, os terrenos nem existem.
É o que consta de relatório elaborado por uma comissão de especialistas sobre a reforma agrária no Mato Grosso, e que a Folha
tem publicado em uma série de
reportagens. As desculpas esfarrapadas e a gagueira do ex-ministro
da reforma agrária, Raul Jungmann, e do atual, José Abrão, nas
respostas ao tema não convenceram ninguém.
O MST tinha razão. O governo
FHC mente. Não assentou mais
do que 150 mil famílias em quase
dez anos no poder. Para descontar, os ruralistas montaram outra
emboscada contra José Rainha,
líder dos sem-terra do Pontal do
Paranapanema (SP). Plantaram-lhe uma escopeta no carro. Querem rainha preso ou morto, a
qualquer custo, como fizeram
com Chico Mendes. Uma vergonha esse campo-Afeganistão da
era FHC.
A sociedade, governada por fracos hipócritas, como diz o filósofo,
impõe aos fortes modelos éticos
que os enfraqueçam e os tornem
prisioneiros dóceis da hipocrisia
da moral vigente.
Nada se pode esperar da republiqueta brasileira senão mentira, corrupção, crime encomendado, desigualdade, hipocrisia -e
borra, borra venenosa atrofiando
o cérebro das criancinhas.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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