São Paulo, terça-feira, 30 de abril de 2002

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VIOLÊNCIA

Traficantes atiraram em policiais e jornalistas no morro do Alemão; horas antes, criança havia sido morta no local

Comandante da PM é alvo de tiros no Rio

Alexandre Campbell/Folha Imagem
Policiais apontam armas em direção a favelados


SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

Traficantes do morro do Alemão (Bonsucesso, zona norte do Rio) atiraram ontem à tarde contra o grupo onde estava o comandante-geral da Polícia Militar do Rio, coronel Francisco Braz, 54.
Na favela para acompanhar a perícia de Marcelo Apolinário, 11, morto horas antes em confronto entre PMs e traficantes, Braz estava com jornalistas, assessores e policiais. Não houve feridos. Pouco depois, oito ônibus foram depredados e um, queimado.
O ataque contra Braz ocorreu às 13h30. O grupo conversava na parte baixa da favela quando começaram os tiros de fuzis de traficantes em cima de lajes no alto do morro, a 200 metros de distância.
Braz correu até uma barraca de sucos. A seguir, voltou ao morro, sem arma nas mãos, com outros policiais. Ele diz que não teve medo. "O risco que corro é o mesmo que o de qualquer outro policial."
A PM estimou em 250 o efetivo no complexo, incluindo um helicóptero e atiradores de elite.
A morte do garoto, por volta das 10h30, revoltou moradores. Braz lamentou a morte. "Temos de lamentar muito que um inocente tenha sido vítima de um tiroteio. A perícia dirá se o tiro que o matou partiu de um PM ou de um marginal, mas acho difícil que tenha sido disparado pela polícia."
Sem se identificar, moradores acusaram policiais do 16º batalhão de matarem Marcelo. Segundo testemunhas, os PMs teriam atirado em traficantes que estavam perto de Marcelo. Ele brincava em frente à casa de um vizinho quando foi baleado na cabeça.
"Quando fomos falar com os policiais, eles riram e responderam: "só morreu um?'", disse Renata de Lima, 14, irmã de Marcelo.
Quando Braz chegou, a população gritava "assassinos" para a polícia. Segundo ele, quatro PMs subiram o morro de manhã para apurar denúncia de venda de drogas e teriam sido recebido a tiros.
Moradores tentaram fechar a estrada de Itararé. A polícia tentou impedir e houve confusão. Quatro pessoas foram detidas.
Marcelo cursava a 3ª série do ensino fundamental de manhã, mas ontem não havia ido à escola. Ele morava com o pai, Reginaldo Ricardo de Lima, 44, e a irmã, Renata. Dois irmãos moram com a mãe, Sandra Apolinário Domingos, 40, em Sulacap (zona oeste).
"Meu filho não tinha nada a ver com o crime e acabou morrendo por causa dessa guerra que não acaba nunca", disse Lima, auxiliar de serviços gerais numa escola.
A suspeita foi lançada por Braz, que mencionou uma foto em que Marcelo aparece ao lado de dois rapazes com os rostos rabiscados. "Temos que saber se e por que ele andava com pessoas suspeitas."

Base do CV
Segunda maior favela do Rio (65.026 habitantes), o complexo do Alemão, de 12 favelas, é apontado pela DRE (Divisão de Repressão a Entorpecentes) da Polícia Civil como quartel-general da facção CV (Comando Vermelho).
Levantamento da DRE aponta que a favela tem cerca de 400 pessoas trabalhando para o tráfico. O chefe do tráfico é Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, principal liderança do CV em liberdade.
Em 1994, no complexo, o traficante Ernaldo Pinto Medeiros, o Uê, matou a tiros Orlando Conceição, o Orlando Jogador, então líder máximo do CV. Uê foi expulso do CV e fundou a facção ADA (Amigo dos Amigos) com Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém. A facção se aliou ao TC (Terceiro Comando) e vem tomando conta de redutos do CV.

Colaborou Mario Hugo Monken, da Sucursal do Rio

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