São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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SABEDORIA TIBETANA

Tenzin Gyatso defendeu o preservativo como controle da natalidade e a interrupção da gravidez em casos especiais

Dalai-lama critica aborto e aprova camisinha

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

No último dia dos seus compromissos no Brasil, Tenzin Gyatso, o dalai-lama, defendeu o uso da camisinha como controle da natalidade e condenou o aborto por "luxo". Para o líder espiritual dos tibetanos, a prática só deve ser admitida em casos especiais, como quando há risco à vida da mulher.
Segundo o dalai-lama, o budismo não é contra o materialismo desde que associado à espiritualidade. "Bens materiais, dinheiro ou poder não podem nos trazer conforto mental."
Em 22 minutos de conversa com a Folha, ele falou ainda sobre violência e a situação política do Tibete. Leia a seguir, trechos da entrevista concedida na manhã de ontem, na suíte do hotel em que estava hospedado, o Grand Hyatt, na zona sul de São Paulo.
 

Folha - No Brasil, as mulheres que fazem aborto podem ser presas e ir parar na cadeia. O que o sr. pensa sobre isso?
Dalai-lama -
Em geral, na minha visão, o aborto é um assassinato, deve ser evitado. No entanto, pode ser praticado em situações particulares, como quando há risco à vida da mulher. Porém, se for feito por luxo ou por conveniência, acho que sim [a mulher deve ir para a cadeia].

Folha - O sr. concorda com o uso da camisinha?
Dalai-lama -
Sim, eu acho o melhor método para o controle da natalidade. Controle populacional é necessário. O mundo já tem 6 bilhões de habitantes. Há uma enorme diferença de renda entre famílias pobres e ricas. Essa lacuna não é só moralmente errada mas também um problema social. Olhe aqui [no Brasil], pessoas pobres, crianças de rua, sem-teto. Eles também são seres humanos, também têm o direito de viver, mas, por causa da economia, há dificuldades com a educação, com a saúde, passam fome. A situação não pode ser deixada da maneira como está. Eu sempre digo que mesmo em Washington, capital da nação mais poderosa do mundo, há muitos lugares com pessoas pobres. Nós precisamos de um método de controle de natalidade e o melhor método é o não-violento, como a camisinha.

Folha - O sr. prega contra o materialismo, mas, por outro lado, está em um hotel caro e as pessoas têm de pagar para ir às suas palestras. Não é contraditório?
Dalai-lama -
Eu não sou contra os bens materiais. Eles são necessários. Nenhum tibetano quer uma vida pobre. Nós precisamos da modernidade, do desenvolvimento. Mas só [pensar em] bens materiais está errado. Facilidades materiais nos trazem conforto físico. Bens materiais, dinheiro ou poder não podem nos trazer tranqüilidade mental. Além das facilidades materiais, precisamos de espiritualidade. Ela nos traz paz. Nós não somos animais que nos contentamos com abrigo e comida. Temos inteligência e, às vezes, ela cria necessidades adicionais.
Nada do que é cobrado nas palestras vai para o meu bolso. O propósito da minha visita é servir, não é um negócio financeiro. Eu sou apenas um monge budista. Depois das palestras e conferências, pedimos à organização local que nos envie um relatório sobre os custos e o torne público para que as pessoas saibam o quanto foi gasto. Se houver sobra, recomendamos a doação [segundo a organização, a estadia do dalai-lama foi cortesia do hotel e a venda dos ingressos apenas cobriu os custos da viagem].

Folha - O sr. acredita que a violência pode ter um legítimo uso em circunstâncias extremadas? Por exemplo, uma política de não-violência poderia ter impedido Hitler?
Dalai-lama -
Em princípio, a violência é um método errado porque, apesar da sua motivação e do seu objetivo parecerem certos, a natureza desse método é imprevisível. Uma vez que você cometeu a violência, isso sai facilmente do seu controle, como acontece no Iraque ou como foi no Afeganistão e no Vietnã. Se a violência serve como justificativa, só a história vai dizer. Como um ser humano, eu prefiro a não-violência.

Folha - Em 2005, sua posição sobre a questão da independência do Tibete parece ter mudado. O sr. reconheceu que o Tibete pertence à China, apesar de insistir na sua autonomia. Por que o sr. mudou?
Dalai-lama
Em princípio, desde 1951, nós aceitamos que o Tibete é uma região especial da República Popular da China. Depois que nós nos tornamos refugiados, nossa principal preocupação é o retorno ao Tibete [em 1959, após uma rebelião separatista contida pelo Exército, dalai-lama e seus seguidores se instalaram na Índia]. Nós desenvolvemos um conceito de autonomia. Em 2005, eu repeti minhas posições e alguns representantes da mídia interpretaram como algo novo. Não há nada de novo nessa posição que defendo há quase 50 anos. Basicamente nós não buscamos independência. O Tibete é materialmente muito atrasado. Então, no que concerne ao desenvolvimento material, é do nosso próprio interesse permanecer na China. A preocupação é com a nossa cultura, nossa língua, nossa espiritualidade. Isso deve ser preservado.


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