|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SABEDORIA TIBETANA
Tenzin Gyatso defendeu o preservativo como controle da natalidade e a interrupção da gravidez em casos especiais
Dalai-lama critica aborto e aprova camisinha
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
No último dia dos seus compromissos no Brasil, Tenzin Gyatso, o
dalai-lama, defendeu o uso da camisinha como controle da natalidade e condenou o aborto por
"luxo". Para o líder espiritual dos
tibetanos, a prática só deve ser admitida em casos especiais, como
quando há risco à vida da mulher.
Segundo o dalai-lama, o budismo não é contra o materialismo
desde que associado à espiritualidade. "Bens materiais, dinheiro
ou poder não podem nos trazer
conforto mental."
Em 22 minutos de conversa
com a Folha, ele falou ainda sobre
violência e a situação política do
Tibete. Leia a seguir, trechos da
entrevista concedida na manhã
de ontem, na suíte do hotel em
que estava hospedado, o Grand
Hyatt, na zona sul de São Paulo.
Folha - No Brasil, as mulheres que
fazem aborto podem ser presas e ir
parar na cadeia. O que o sr. pensa
sobre isso?
Dalai-lama - Em geral, na minha
visão, o aborto é um assassinato,
deve ser evitado. No entanto, pode ser praticado em situações particulares, como quando há risco à
vida da mulher. Porém, se for feito por luxo ou por conveniência,
acho que sim [a mulher deve ir
para a cadeia].
Folha - O sr. concorda com o uso
da camisinha?
Dalai-lama - Sim, eu acho o melhor método para o controle da
natalidade. Controle populacional é necessário. O mundo já tem
6 bilhões de habitantes. Há uma
enorme diferença de renda entre
famílias pobres e ricas. Essa lacuna não é só moralmente errada
mas também um problema social.
Olhe aqui [no Brasil], pessoas pobres, crianças de rua, sem-teto.
Eles também são seres humanos,
também têm o direito de viver,
mas, por causa da economia, há
dificuldades com a educação,
com a saúde, passam fome. A situação não pode ser deixada da
maneira como está. Eu sempre digo que mesmo em Washington,
capital da nação mais poderosa
do mundo, há muitos lugares
com pessoas pobres. Nós precisamos de um método de controle de
natalidade e o melhor método é o
não-violento, como a camisinha.
Folha - O sr. prega contra o materialismo, mas, por outro lado, está
em um hotel caro e as pessoas têm
de pagar para ir às suas palestras.
Não é contraditório?
Dalai-lama - Eu não sou contra
os bens materiais. Eles são necessários. Nenhum tibetano quer
uma vida pobre. Nós precisamos
da modernidade, do desenvolvimento. Mas só [pensar em] bens
materiais está errado. Facilidades
materiais nos trazem conforto físico. Bens materiais, dinheiro ou
poder não podem nos trazer tranqüilidade mental. Além das facilidades materiais, precisamos de
espiritualidade. Ela nos traz paz.
Nós não somos animais que nos
contentamos com abrigo e comida. Temos inteligência e, às vezes,
ela cria necessidades adicionais.
Nada do que é cobrado nas palestras vai para o meu bolso. O
propósito da minha visita é servir,
não é um negócio financeiro. Eu
sou apenas um monge budista.
Depois das palestras e conferências, pedimos à organização local
que nos envie um relatório sobre
os custos e o torne público para
que as pessoas saibam o quanto
foi gasto. Se houver sobra, recomendamos a doação [segundo a
organização, a estadia do dalai-lama foi cortesia do hotel e a venda
dos ingressos apenas cobriu os
custos da viagem].
Folha - O sr. acredita que a violência pode ter um legítimo uso em
circunstâncias extremadas? Por
exemplo, uma política de não-violência poderia ter impedido Hitler?
Dalai-lama - Em princípio, a violência é um método errado porque, apesar da sua motivação e do
seu objetivo parecerem certos, a
natureza desse método é imprevisível. Uma vez que você cometeu
a violência, isso sai facilmente do
seu controle, como acontece no
Iraque ou como foi no Afeganistão e no Vietnã. Se a violência serve como justificativa, só a história
vai dizer. Como um ser humano,
eu prefiro a não-violência.
Folha - Em 2005, sua posição sobre a questão da independência do
Tibete parece ter mudado. O sr. reconheceu que o Tibete pertence à
China, apesar de insistir na sua autonomia. Por que o sr. mudou?
Dalai-lama Em princípio, desde
1951, nós aceitamos que o Tibete é
uma região especial da República
Popular da China. Depois que nós
nos tornamos refugiados, nossa
principal preocupação é o retorno
ao Tibete [em 1959, após uma rebelião separatista contida pelo
Exército, dalai-lama e seus seguidores se instalaram na Índia]. Nós
desenvolvemos um conceito de
autonomia. Em 2005, eu repeti
minhas posições e alguns representantes da mídia interpretaram
como algo novo. Não há nada de
novo nessa posição que defendo
há quase 50 anos. Basicamente
nós não buscamos independência. O Tibete é materialmente
muito atrasado. Então, no que
concerne ao desenvolvimento
material, é do nosso próprio interesse permanecer na China. A
preocupação é com a nossa cultura, nossa língua, nossa espiritualidade. Isso deve ser preservado.
Texto Anterior: Gilberto Dimenstein: Você ainda acha que a corrupção é o maior desperdício? Próximo Texto: Ato ecumênico reúne 5.100 na Catedral da Sé Índice
|