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GILBERTO DIMENSTEIN
Você ainda acha que a corrupção é o maior desperdício?
Os brasileiros se incomodam muito mais com a
corrupção do que com o desperdício de recursos públicos aplicados
em gastos absolutamente dentro
da lei -isso só se explica pelo
pouco conhecimento dos cidadãos sobre as despesas oficiais.
Para medir o custo do desperdício, bastaria comparar não mais
que duas informações:
1) Os 3 milhões de funcionários
públicos federais aposentados recebem anualmente R$ 76 bilhões;
2) Com R$ 5,5 bilhões, o Bolsa-Família transferiu, no ano passado, recursos a 8,7 milhões de famílias, o que atinge cerca de 32
milhões de pessoas.
Ou seja, os tais 8,7 milhões de
famílias recebem 7,4% do valor
destinado aos 3 milhões de aposentados federais. Não é apenas o
volume do dinheiro que conta,
mas seu retorno: essa é a conta
mais importante do desperdício.
Estudos recentes têm demonstrado que os programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, nascidos na gestão Fernando Henrique Cardoso e aprimorados no governo Lula vêm
exercendo um papel relevante no
combate à miséria.
Há uma série de divergências
quanto aos impactos desses programas, mas é quase unanimidade o fato de que, em alguma medida, atuam, além da redução da
pobreza, na melhor distribuição
da renda. Na semana passada, reportagem da Folha apontou, com
base em estatísticas oficiais, mais
um efeito dessas transferências: a
volta de migrantes para suas cidades de origem, já que não estariam encontrando emprego e, lá,
teriam algum tipo de ajuda mínima. Há suspeitas de que, com isso,
muita gente esteja pensando duas
vezes antes de sair do Nordeste
para outras regiões mais ricas, saturadas e sem empregos.
Atribui-se essa mudança de hábito, entre outros fatores, à parte
da redução da desnutrição na região do semi-árido devido às bolsas -o dinheiro vai direto para a
comida.
São essas as contas que vamos
ter de aprender a fazer nessas
eleições. Isso porque, como de costume, os candidatos vão prometer
mundos e fundos, sem dizer de
onde virá o dinheiro. Já estamos
pagando 37% de tudo o que o
país produz (PIB) para manter os
governos. Isso até pode não assustar à primeira vista, mas a tradução é devastadora: R$ 755 bilhões.
Uma imensa parcela desse dinheiro vai para bancar os aposentados, funcionários públicos e juros. Ou seja, gastos sem retorno
para o crescimento econômico.
O Bolsa-Família também, nesse
aspecto, pode ser questionado. Há
cerca de 150 programas (alfabetização, por exemplo) que, em tese,
ajudariam o indivíduo a viver
sem ajuda oficial, mas são descoordenados e desfocados. Tal desorganização dificulta que o beneficiário da ajuda em dinheiro
ganhe autonomia e corra o risco
de sempre depender de uma esmola oficial.
Diga-se a favor dessas transferências que o dinheiro está chegando às mãos de quem mais precisa. Nunca, em toda a nossa história, tanto dinheiro chegou diretamente às mãos dos mais pobres.
Há uma chance de que, nesta
eleição, pelo menos parte do eleitorado preste atenção nesse tipo
de cálculo mais complexo -o que
revelará amadurecimento político. Mais e mais pessoas vêem como o Estado inchado, extraindo
muitos impostos e sustentando altas taxas de juros, dificulta o crescimento econômico e a geração de
empregos. Mas as conseqüências
desse diagnóstico não são agradáveis. Exigem-se, afinal, cortes e
melhor direcionamento das verbas.
Sabe-se que um país não consegue crescer sem melhorar a educação. Gasta-se cerca de três vezes
com aposentadorias -públicas e
privadas- o que se investe em
educação, cujos resultados são catastróficos. Isso significa que,
num debate sério, sem demagogia, teremos de nos confrontar
com a inexorável questão sobre se
não é prejudicial para um projeto
de desenvolvimento aumentar
ainda mais os gastos com os aposentados a cada aumento do salário mínimo. O último deles custou
R$ 4 bilhões, valor não muito distante do que se despendeu com
todo o Bolsa-Família.
Vamos a mais uma comparação. Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça
do Senado aprovou um novo texto para a criação de um fundo
(Fundeb) para ajuda ao ensino.
Se for aprovado pelo Congresso,
cerca de 50 milhões de alunos da
rede pública vão receber mais R$
4,5 bilhões de verbas federais.
Provavelmente, nenhum candidato conseguirá agradar aos eleitores com esse tipo de conta
-aliás, esse discurso não agrada
a quase ninguém. É mais fácil entender fraseados do tipo mais gastos para o social para atacar a miséria, vontade política, egoísmo
das elites e por aí vai.
O debate consistente não está
no aumento de gastos nem em soluções mágicas como calote da dívida pública ou suspensão de pagamento de juros, mas na remodelação dos programas e melhor
foco das despesas. Fácil falar, mas
na prática requer o enfrentamento com os mais diversos grupos de
pressão, muitos deles que querem
apenas manter privilégios e têm
força política. Essa mudança só
vai ocorrer se soubermos fazer as
contas e perceber que o custo do
desperdício é várias vezes maior
do que a roubalheira.
P.S. - Faça mais uma comparação com os R$ 5,5 bilhões do Bolsa-Família. No primeiro trimestre
deste ano, segundo foi divulgado
na semana passada, os gastos do
governo federal com pessoal e
despesas da máquina aumentaram em R$ 6,9 bilhões. Estamos
falando aqui só em três meses
-e, aqui, pelo menos parte desse
dinheiro, se tiver retorno, irá para
a candidatura de Lula à reeleição.
@ - gdimen@uol.com.br
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