São Paulo, sábado, 30 de maio de 2009

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WALTER CENEVIVA

Desarmamento na Carta da ONU


Ninguém ignora a distância entre o ideal e a realidade conflituosa do ser humano na questão do desarmamento


O TRATADO de proibição completa dos testes nucleares foi aprovado na ONU (Organização das Nações Unidas) em 1996. Os tratados compõem normas do direito internacional público, mas têm um certo caráter contratual. Os signatários assumem direitos e obrigações.
Por isso mesmo o tratado de proibição de testes nucleares faz referência, no seu preâmbulo, aos Estados-parte que, firmando-o, assumiram posição para o objetivo final do desarmamento completo e geral, não apenas o nuclear.
Ninguém em sã consciência admitirá que o desarmamento completo seja um ideal desprezível, mas ninguém ignora a distância entre o ideal a perseguir e a realidade conflituosa do ser humano, até pelos exemplos dos únicos artefatos nucleares utilizados na guerra, em Hiroshima e Nagasaki.
Nações avançadas em pesquisas nucleares, especialmente a União Soviética e os Estados Unidos, realizaram testes livremente, seguidos por outros países, até Índia e Paquistão. Ampliaram arsenais com ogivas e foguetes.
Os aderentes ao tratado de 1996 afirmaram submissão a suas regras, mas as infrações se repetiram. Hoje, tem-se afirmado que o vínculo dele decorrente também se estenderia aos não signatários, sob alegação de que a Carta das Nações é imponível no direito internacional, assinada por duas centenas de países, um dos quais o Brasil.
Ora, a Carta afirma, em seu artigo 1º, o propósito de assegurar a paz "e reprimir os atos de agressão ou qualquer outra ruptura da paz". Sabe-se, porém, que esse artigo 1º foi letra morta, quando os países mais fortes impuseram, por meio das armas, a sua vontade aos países que eram mais fracos.
A Carta das Nações Unidas vem sendo aplicada ao sabor das políticas de países providos de aparato militar, sem consideração maior pela regra internacional de 1945. Mais recentemente, o ex-presidente George W. Bush desenvolveu a doutrina que leva seu nome, segundo a qual seu país agirá unilateralmente para a defesa de seus interesses onde quer que sejam ameaçados ou pareçam ameaçados, aí incluídas ações militares preventivas.
A Rússia, depois do fim da União Soviética, desenvolveu política semelhante.
O próprio fato de apenas cinco países (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) terem poder de veto contra decisões adotadas pelo Conselho de Segurança, do qual são únicos membros permanentes, já evidencia a relatividade do que ali seja resolvido.
Essa restrição ajuda a compreender o artigo 25 da Carta, pelo qual "os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta", ou seja, desde que não impedidas pelo veto de um ou mais de um dos cinco membros permanentes.
Voltando ao começo: o desarmamento (nuclear e não nuclear) seria ideal para o bem da humanidade. Não podemos, porém, dar-nos ao luxo da ingenuidade, até porque os principais vendedores de armas são os mesmos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Examinada a dura realidade internacional e do direito que lhe corresponde, fique claro, ao menos quanto às sanções aplicadas pelos órgãos da ONU, que só serão aceitáveis para o rigor jurídico quando não discriminatórias.
Fora desse perfil, continuará o uso da força pela força, seja qual for a desculpa inventada.


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