São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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IOGA

Projeto de lei que institui a profissão de professor é defendido por uma ala e contestado por outra, que fundou uma ONG

Regulamentação cria cisão entre seguidores

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

No seu significado mais profundo, a ioga representa a busca do autoconhecimento, a procura da união entre corpo e espírito. Seus seguidores pregam o entendimento, a humildade, a ausência de ambição. Na prática, pelo menos fora das sessões de meditação e respiração profunda, não é o que vem acontecendo.
Um movimento pela regulamentação do profissional de ioga, cujo projeto de lei já passou pela Câmara Federal, está revelando uma cisão raivosa entre os vários grupos. Divisões entre as modalidades e seus seguidores são tão antigas quanto a própria ioga, no mundo todo. O elemento desagregador, agora, é justamente a adaptação aos tempos modernos, a necessidade -ou não- de enquadrar dentro da lei os instrutores dessa prática milenar.
A regulamentação da profissão de professor de ioga, com a criação de conselho federal e regionais, vem sendo capitaneada por "mestre De Rose", como se intitula Luiz Sérgio Alvarez De Rose, 56, fundador da "primeira Universidade de Yoga do Brasil". A primeira tentativa de regulamentação foi feita por De Rose em 1978.
A atual, a terceira delas, por meio de projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), foi aprovada por unanimidade em duas comissões da Câmara e aguarda no Congresso. Com apenas três artigos, o projeto de lei 4.680 cria os conselhos regionais e estabelece que o ensino de ioga é prerrogativa dos profissionais registrados nesses conselhos.
De Rose e seus seguidores afirmam que a regulamentação é uma reivindicação da grande maioria dos instrutores de ioga. Os que não acreditam nisso, nem concordam com a regulamentação, acabam de criar a Aliança do Yoga, uma ONG que pretende atuar independentemente dos conselhos. Anderson Allegro, 38, eleito diretor executivo dessa aliança, disse que a reunião de fundação, no final de semana passado, reuniu cerca de 50 pessoas em São Paulo. O Movimento Yoga Livre, que circula pela internet, já teria recebido cerca de 500 assinaturas de profissionais que discordam da regulamentação.
A criação de uma aliança, nos moldes da existente nos EUA, permitiria que o exercício da profissão fosse auto-regulamentado, sem uma interferência direta de órgãos como os ministérios da Educação e do Trabalho, que pouco ou nada entendem de ioga, afirmam os membros do Movimento Yoga Livre.
"O projeto de lei em discussão é uma camisa de força nas pessoas que ensinam ioga, vai impedir a transmissão do ensino, fechando muitas escolas tradicionais e burocratizando uma cultura", diz Pedro Kupfer, 36, professor em Florianópolis e um dos líderes do Movimento Yoga Livre.
Kupfer e os que participam desse movimento afirmam que o projeto de lei representa o interesse de uma minoria de modalidades entre as cerca de 30 praticadas no Brasil. Quanto ao número de praticantes e de professores, a situação pode ser inversa. De Rose, compilador da modalidade Swásthya Yoga, diz já ter formado 5.000 professores nos últimos anos e suas escolas afiliadas -ou franqueadas- somariam 210.
Rosana Ortega, 37, presidente do Sindicato Nacional dos Profissionais de Yoga e uma das seguidoras de De Rose, diz que o projeto de regulamentação tem o "apoio de 99%" dos instrutores, com representantes de "todas as modalidades". "A preocupação se deve à desinformação. A regulamentação vai nos proteger, não nos ameaçar", afirma.
Maria Helena de Bastos Freire, 73, fundadora da Associação Internacional dos Professores de Yoga do Brasil, diz que o projeto de lei atende principalmente aos interesses das franquias de ioga. Segundo ela, sua associação, fundada ainda em 1971, reúne cerca de 500 professores.
O movimento pela regulamentação cresceu muito depois que o Conselho Federal de Educação Física, criado em 1998, passou a exigir das escolas e professores de ioga o registro em seus conselhos regionais. "A grande maioria das formas de ioga é vista hoje como uma atividade física, são alongamentos, ginásticas, ioga fitness, ioga power. Então, para segurança do praticante, achamos que esses professores precisam ser preparados em curso superior, regulamentado", diz Jorge Steinhilber, presidente do Conselho Federal de Educação Física.
"Não estamos fazendo uma reserva de mercado; estamos protegendo a sociedade", afirma Flavio Delmanto, presidente do Conselho Regional de Educação Física, de São Paulo. Em muitos casos, a disputa de mercado vem sendo resolvida com ações na Justiça.
Quanto ao enquadramento da ioga e de seus profissionais, o professor José Hermógenes de Andrade, 81 anos e 30 livros, um dos mais mestres mais reverenciados no país, diz que alguma forma de regulamentação é necessária.
"Não fui ouvido, mas, se tivesse sido, ia sugerir uma aliança, ou um colegiado, que representasse todas as tendências." Hermógenes diz que o problema não está nos conselhos, mas na sua formação. "Ioga é união, humildade, compaixão, não-autoritarismo. Mas hoje há um aventureirismo muito grande, que prejudica a imagem da ioga autêntica."


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