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São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003

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POLÍTICAS PÚBLICAS

Jordi Borja, que foi vice-prefeito de Barcelona, acha legítimas eventuais ilegalidades em ações de excluídos

Urbanista catalão prega "sofisticação" do direito à cidade

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando as políticas públicas são ineficientes para atender às demandas dos cidadãos, é legítimo que a população se organize e aja em defesa de suas necessidades, mesmo que para isso cometa algum tipo de ilegalidade.
Essa é a opinião do urbanista catalão Jordi Borja, 61, que foi vice-prefeito de Barcelona (Espanha), dirige a cátedra de políticas urbanas da universidade local e é tido como um dos principais formuladores de políticas urbanas da atualidade.
Borja esteve em São Paulo para participar da Urbis 2003, o congresso internacional de cidades promovido pela prefeitura e que terminou na última sexta-feira.
Em conversa com a Folha, o urbanista discorreu sobre seus conceitos de mobilização cidadã e defendeu a necessidade da "sofisticação" dos direitos daqueles que vivem nas cidades.

Folha - Como o sr. analisa a questão que opõe hoje, no Brasil, políticas públicas ineficientes a demandas urgentes da sociedade no que se refere à ocupação da cidade, conflito esse que tem resultado em invasões e enfrentamentos de diversas naturezas?
Jordi Borja -
As políticas públicas que existem hoje são verdadeiramente ineficazes. Na América Latina em geral, também no Brasil, as políticas públicas urbanas não têm mais capacidade de recuperar os recursos que a própria cidade gera. Os segmentos urbanos que estão em crescimento são basicamente os privatizados. Há maior desenvolvimento urbano nos chamados setores altos do que nos setores baixos, o que não dá lugar a uma redistribuição dos benefícios.
Os empreendimentos em bairros de classes alta e média são mais frequentes nas cidades do que os voltados para as classes mais baixas. Portanto, as políticas públicas precisam de mais recursos legais e econômicos para atender a essas demandas, que em geral são urgentes e legítimas.

Folha - Mesmo quando há atitudes de confronto?
Borja -
É normal e até positivo que essas demandas ostentem uma certa radicalidade, porque respondem a uma urgência e se opõem a uma falta de legitimidade das políticas públicas, que não funcionam para elas. É lógico que surjam aí momentos de ilegalidade. Por exemplo, quando há edifícios abandonados ou terrenos do governo que não são utilizados para nada, parece-me bastante lógico que os grupos de mobilização civis se expressem tomando posse de algo.

Folha - A quem caberia o papel de mediador entre essas demandas e as possibilidades de solução dos problemas de moradia e ocupação do solo?
Borja -
Nas cidades, o elemento de maior importância é a descentralização da administração pública, com a criação de subprefeituras ou coisas desse tipo. Para que seja possível tratar esses problemas com proximidade e com esforços integrados. Há um plano para a terra, há um plano social, ou seja, planos para todo o conjunto.

Folha - Como o sr. avalia situações de grandes contrastes, como a de São Paulo, que confrontam populações muito bem aparelhadas àquelas excluídas dos benefícios urbanos?
Borja -
Eu não gosto muito dessa designação, incluídos e excluídos. Porque, na realidade, o que há são setores da população mantidos em situação de precariedade, basicamente são populações "mais baratas". É o que se passa com os imigrantes na Europa.
O que eu acho que existem são fenômenos de exclusão em alguns aspectos, como pessoas que não participam da pauta cultural da cidade, pessoas que não têm emprego, trabalho fixo ou pertencem à economia ilegal, pessoas que vivem onde a cidade formal, os serviços básicos, não chegam.
Eu acho que o mais importante é conhecer e dar visibilidade a essas populações. Isso tem acontecido em algumas cidades do Brasil, onde há programas de urbanização de favelas.

Folha - Trata-se de expandir os conceitos de cidadania, como o sr. vem falando? Ampliar direitos?
Borja -
Na verdade devem ser criados direitos mais complexos, mais sofisticados. Não é apenas direito à escola, isso não basta; deve haver direito à educação continuada. Direito ao trabalho remunerado, mas não apenas ao trabalho que é formalmente remunerado. Direito à saúde, portanto direito às políticas preventivas de saúde.

Folha - O sr. se refere a direito à intimidade...
Borja -
Sim, é o direito à casa entendido em um conceito mais amplo. Porque não é suficiente o direito à habitação, mas também aos espaços públicos, ao patrimônio, à livre circulação, à paisagem urbana. Ou seja, é preciso que se possa exercitar o direito à cidade como um todo.


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