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POLÍTICAS PÚBLICAS
Jordi Borja, que foi vice-prefeito de Barcelona, acha legítimas eventuais ilegalidades em ações de excluídos
Urbanista catalão prega "sofisticação" do direito à cidade
LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando as políticas públicas
são ineficientes para atender às
demandas dos cidadãos, é legítimo que a população se organize e
aja em defesa de suas necessidades, mesmo que para isso cometa
algum tipo de ilegalidade.
Essa é a opinião do urbanista catalão Jordi Borja, 61, que foi vice-prefeito de Barcelona (Espanha),
dirige a cátedra de políticas urbanas da universidade local e é tido
como um dos principais formuladores de políticas urbanas da
atualidade.
Borja esteve em São Paulo para
participar da Urbis 2003, o congresso internacional de cidades
promovido pela prefeitura e que
terminou na última sexta-feira.
Em conversa com a Folha, o urbanista discorreu sobre seus conceitos de mobilização cidadã e defendeu a necessidade da "sofisticação" dos direitos daqueles que
vivem nas cidades.
Folha - Como o sr. analisa a questão que opõe hoje, no Brasil, políticas públicas ineficientes a demandas urgentes da sociedade no que
se refere à ocupação da cidade,
conflito esse que tem resultado em
invasões e enfrentamentos de diversas naturezas?
Jordi Borja - As políticas públicas
que existem hoje são verdadeiramente ineficazes. Na América Latina em geral, também no Brasil,
as políticas públicas urbanas não
têm mais capacidade de recuperar os recursos que a própria cidade gera. Os segmentos urbanos
que estão em crescimento são basicamente os privatizados. Há
maior desenvolvimento urbano
nos chamados setores altos do
que nos setores baixos, o que não
dá lugar a uma redistribuição dos
benefícios.
Os empreendimentos em bairros de classes alta e média são
mais frequentes nas cidades do
que os voltados para as classes
mais baixas. Portanto, as políticas
públicas precisam de mais recursos legais e econômicos para atender a essas demandas, que em geral são urgentes e legítimas.
Folha - Mesmo quando há atitudes de confronto?
Borja - É normal e até positivo
que essas demandas ostentem
uma certa radicalidade, porque
respondem a uma urgência e se
opõem a uma falta de legitimidade das políticas públicas, que não
funcionam para elas. É lógico que
surjam aí momentos de ilegalidade. Por exemplo, quando há edifícios abandonados ou terrenos do
governo que não são utilizados
para nada, parece-me bastante lógico que os grupos de mobilização civis se expressem tomando
posse de algo.
Folha - A quem caberia o papel de
mediador entre essas demandas e
as possibilidades de solução dos
problemas de moradia e ocupação
do solo?
Borja - Nas cidades, o elemento
de maior importância é a descentralização da administração pública, com a criação de subprefeituras ou coisas desse tipo. Para
que seja possível tratar esses problemas com proximidade e com
esforços integrados. Há um plano
para a terra, há um plano social,
ou seja, planos para todo o conjunto.
Folha - Como o sr. avalia situações de grandes contrastes, como a
de São Paulo, que confrontam populações muito bem aparelhadas
àquelas excluídas dos benefícios
urbanos?
Borja - Eu não gosto muito dessa
designação, incluídos e excluídos.
Porque, na realidade, o que há são
setores da população mantidos
em situação de precariedade, basicamente são populações "mais
baratas". É o que se passa com os
imigrantes na Europa.
O que eu acho que existem são
fenômenos de exclusão em alguns
aspectos, como pessoas que não
participam da pauta cultural da
cidade, pessoas que não têm emprego, trabalho fixo ou pertencem
à economia ilegal, pessoas que vivem onde a cidade formal, os serviços básicos, não chegam.
Eu acho que o mais importante
é conhecer e dar visibilidade a essas populações. Isso tem acontecido em algumas cidades do Brasil,
onde há programas de urbanização de favelas.
Folha - Trata-se de expandir os
conceitos de cidadania, como o sr.
vem falando? Ampliar direitos?
Borja - Na verdade devem ser
criados direitos mais complexos,
mais sofisticados. Não é apenas
direito à escola, isso não basta; deve haver direito à educação continuada. Direito ao trabalho remunerado, mas não apenas ao trabalho que é formalmente remunerado. Direito à saúde, portanto direito às políticas preventivas de
saúde.
Folha - O sr. se refere a direito à
intimidade...
Borja - Sim, é o direito à casa entendido em um conceito mais
amplo. Porque não é suficiente o
direito à habitação, mas também
aos espaços públicos, ao patrimônio, à livre circulação, à paisagem
urbana. Ou seja, é preciso que se
possa exercitar o direito à cidade
como um todo.
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