São Paulo, sexta-feira, 30 de julho de 2004

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ATENDIMENTO PRECÁRIO

Ela foi operada somente ontem; hospital diz que procedimento é correto

Mulher fica 11 dias com bala no braço

TALITA FIGUEIREDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A dona-de-casa Luzinete Abílio da Silva, 57, passou os últimos 11 dias com uma bala alojada no braço esquerdo. Atingida por um tiro em uma favela carioca, só ontem ela foi operada.
Eram 11h40 do dia 18 quando Silva saiu de casa, na favela Parque Alegria (Caju, zona norte), com uma neta de 11 anos e dois sobrinhos, de 15 e 17, para pagar a prestação da compra de um colchão. No trajeto, houve um tiroteio e ela foi baleada.
Levada por PMs para o Hospital Geral de Bonsucesso (a cerca de 2 km da favela), ela foi atendida sentada no chão da emergência da unidade, que é do governo federal. Feito um raio-X e um curativo, foi mandada para casa, com a recomendação de tomar antiinflamatório. Ao chegar ao ponto de ônibus, minutos depois, o ferimento começou a "sangrar muito", segundo ela, que voltou ao hospital. "Fiquei horas esperando para ser atendida. Depois, tomei soro, fizeram outro curativo e me mandaram voltar três dias depois. No dia 21, o médico mandou que eu retornasse em uma semana para fazer a operação."
Com a consulta marcada para ontem, ela chegou às 7h10. Esperou até as 12h, quando foi levada ao centro cirúrgico. A operação para a retirada da bala durou 20 minutos. O local do ferimento havia inflamado, segundo médicos que a atenderam. Ela foi liberada em seguida.
Silva disse que não planeja processar o hospital ou o governo.O marido, o pedreiro Sebastião Alfredo da Silva, 64, ainda tem a esperança de convencê-la a voltar à terra natal deles, Campina Grande (PB). "Além do susto do tiro, temos de enfrentar o sistema de saúde, que parece não tratar os pobres direito."
O coordenador de cirurgia da emergência do Hospital Geral de Bonsucesso, Antônio Paulo, disse que não é de praxe operar se a bala "não causar incapacidade vital". Segundo ele, às vezes, se a operação for feita imediatamente, "pode-se causar uma lesão ou um sangramento maior desnecessário". "Se o tiro não atingiu nenhum órgão, articulação ou não for próximo a terminações nervosas, não há necessidade de retirar a bala. Muitos convivem com um projétil no corpo a vida inteira."
O diretor do Hospital Quinta D'Or, Rodrigo Gavina, disse que, "apesar de parecer absurdo, o procedimento pode estar correto". "A cirurgia tem de ser avaliada caso a caso."


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