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DANUZA LEÃO
Pequenas alegrias
Você vai ao dentista e tem a gratíssima notícia de que seus dentes estão perfeitos. Não é para soltar fogos?
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A VIDA É cheia de pequenas
alegrias que a gente nem
percebe, e as grandes -bem,
as grandes acontecem também, mas
só às vezes. Vamos lembrar de algumas bem bobas, sem nenhum significado profundo, mas que fazem a
gente sair pela rua cantarolando de
felicidade.
Sabe aquela faxineira maravilhosa
que deixa sua casa tinindo, as pratas
brilhando, o banheiro cheiroso? Ela
já chega com a lista de compras de
produtos de limpeza, nunca menos
de 15, e para fazer um trabalho perfeito desarruma a casa toda, claro.
A cada vez que você se senta, acende um cigarro e pega o jornal, ela
quer limpar e-xa-ta-men-te aquele
lugar. Um belo dia (aquela quinta-feira fatídica) você, já preparada psicologicamente para a tortura, atende o telefone e é ela, do orelhão, dizendo que teve um problema e só
pode vir na próxima semana. Existe
felicidade maior?
Existe, sim; um dia você, distraída,
combina um jantar, achando que
aquele dia não ia chegar nunca. Está
com o trabalho atrasado, o sono
atrasado, sem paciência para falar e
ouvir abobrinhas, sem paciência para nada, a não ser para seus próprios
assuntos. É quando você descobre
que Deus existe: na manhã do tal
jantar, a pessoa telefona e desmarca,
pois vai ter que ir a Curitiba a trabalho. "Vamos marcar logo um outro
dia?" E você responde, de bate-pronto: "Na próxima semana vou
viajar, a gente se telefona, tá?"
Pausa para falar dessa maravilhosa frase que deve ter sido inventada
por um carioca, num dia de sol,
na praia. Para quem não sabe, no Rio
a frase "A gente se telefona" não
quer dizer absolutamente nada, que
maravilha.
Um dia você compra um sofá novo, e o estofador jura que vai entregar na sexta-feira, o que acontece;
um milagre, pois tudo que é prometido para sexta-feira só chega na terça seguinte, só que a vida não é assim
tão simples: a empregada telefona
para seu trabalho e diz que o sofá
não entra no elevador. Faz o quê?
Nada, a não ser esperar para saber se
vai ser preciso chamar o serviço de
cordas. Mas os maravilhosos homens da transportadora conseguem
o milagre e sobem pela escada, por
módicos R$ 50 para cada um. Ninguém telefona para dar a boa notícia,
claro, e só quando você liga 40 minutos depois descobre que o sofá já está
no lugar. É caso de passar uma semana sem comer chocolate, em
agradecimento ao Criador.
Você vai ao dentista e tem a gratíssima notícia de que seus dentes estão perfeitos e que só precisa voltar
dentro de um ano. Não é para soltar
fogos de artifício? E aquele dia maravilhoso -e raro- em que todos os
eletrônicos da sua casa estão funcionando, não é uma glória?
Mas existem outras alegrias, e tão
pequenas que a gente nem percebe:
abrir a torneira e sair água, abrir a
outra e sair água quente, tocar no interruptor e a luz acender, encontrar
vaga para o carro e conseguir ir embora sem o flanelinha ver, não é o
máximo?
Se você não achou graça em nenhuma dessas coisas, faça o seguinte: pare de ler o jornal, feche os olhos
e respire bem fundo, várias vezes,
pensando apenas na sua respiração.
Sentiu?
Todas essas são alegrias bobas,
mas basta que falte uma delas para a
gente começar a se queixar.
Quando a a vida está ótima, a gente nunca se lembra de que a vida está
ótima; por que será?
danuza.leao@uol.com.br
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