São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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Estátua de poeta tem identidade em xeque

Busto feito em 1906 que está no largo São Francisco é dedicado a Álvares de Azevedo, mas tem feições de Fagundes Varela

Encomenda da obra a artista plástico teria sido uma "estudantada", nome dado às brincadeiras feitas com personagens importantes

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Álvares de Azevedo está a cara de Fagundes Varela na estátua que os alunos da Faculdade de Direito da USP levaram em maio da praça da República para o largo São Francisco.
A polêmica sobre a verdadeira identidade da estátua das arcadas tem mais de meio século e envolve professores, ex-alunos e historiadores.
Azevedo chegou inclusive a passar um tempo como Fagundes Varela em uma praça do Pacaembu. A controvérsia é confirmada pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
Azevedo, Varela e Castro Alves, os três poetas e ex-alunos de direito no largo, foram homenageados com seus nomes nas arcadas da faculdade, mas só o primeiro ganhou estátua.
Olhando bem a obra, realmente os cabelos de Álvares parecem muito revoltos, quando na verdade ele os mantinha num corte comportado. Além disso, ele cultivava um bigodinho que entrega a diferença.
"A crônica da estátua é antiga. Fala-se até que a encomenda ao artista plástico [Amedeo Zani] teria sido uma "estudantada", como os alunos chamam as brincadeiras que costumam promover com personagens importantes. Assim, o artista atendeu o pedido de esculpir um Azevedo, tomando como modelo a figura de Varela", diverte-se o advogado Miguel Matos, do site jurídico "Migalhas", que reacendeu a polêmica Azevedo Varela quando os alunos "roubaram" a estátua da praça para instalá-la no largo São Francisco.
A versão confirmada pela Secretaria da Cultura é a seguinte: a estátua de Álvares de Azevedo foi um presente do Centro Acadêmico XI de Agosto para a prefeitura, que, em 1906, a instalou na praça da República; ali a obra ficou por mais de 40 anos, até que, em 1950, depois de forte polêmica acerca da semelhança do retratado com Fagundes Varela, a transportaram para um depósito da prefeitura, onde ficou mais de 30 anos, até 1981.
Nessa ocasião, depois de uma vistoria no depósito, a estátua foi recuperada e conduzida, desta vez, para uma praça chamada Fagundes Varela -não mais como um busto de Álvares de Azevedo.
"De fato a estátua sempre esteve envolta em uma confusão de imagens, que pode muito bem ter nascido de uma boataria", acredita o professor Goffredo da Silva Telles Júnior, que deu aulas na faculdade durante 45 anos.
Silva Telles diz isso não exatamente com base nas figuras dos dois, mas nos temperamentos absolutamente distintos deles.
"Não há como confundi-los. O Álvares era um rapaz tímido, recatado, enquanto o Varela sempre foi boêmio, dado a aventuras, todo mundo sabe", explica Silva Telles.
Em 1984, a Academia Paulista de Letras, indignada com o fato de homenagearem Varela com um busto de Azevedo, redigiu uma carta-protesto reivindicando o retorno da estátua para a praça da República -onde permaneceu até maio deste ano.
Na carta, documentada no DPH, os membros da APL até concordam que o busto de Azevedo tem o jeitão de Varela -mas argumentam que a intenção do XI de Agosto era homenagear o primeiro.
Três imortais consultados, Paulo Bonfim, Paulo José da Costa Júnior e Erwin Rosenthal, dizem que não têm conhecimento da polêmica. "Estou enriquecendo meu acervo com o que você está me dizendo", afirma Bonfim, apontado por fontes como um "arquivo vivo da cidade".
O presidente da APL na época da remoção da estátua do Pacaembu para a República, Lycurgo de Castro Santos Filho, chegou a reconhecer:
"Parece que a imagem corresponde à de Fagundes Varela na fase final de sua vida. Todavia, a referida herma foi esculpida com a intenção de representar e rememorar Álvares de Azevedo."
"É Álvares de Azevedo e acabou-se", decide, rindo, o professor Silva Telles.
Carlos Madia de Souza, dirigente da Associação dos ex-Alunos da Faculdade do largo São Francisco, é a esperança de um ponto final na controvérsia.
Diz ele que, sim, Varela vai ganhar sua própria estátua -do mesmo jeito que Castro Alves, o terceiro homenageado na arcada da faculdade.
"Pretendemos erguer bustos para os dois, assim que tivermos recursos. É um antigo projeto", explica.
Madia afirma que o personagem retratado "parece alguém de fato mais velho que Álvares [morto aos 20 anos]".
"Quando tivermos o dinheiro para encomendar o próximo busto, a gente decide se será um novo Fagundes, ou mais um Azevedo."


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