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Estátua de poeta tem identidade em xeque
Busto feito em 1906 que está no largo São Francisco é dedicado a Álvares de Azevedo, mas tem feições de Fagundes Varela
Encomenda da obra a artista plástico teria sido uma "estudantada", nome dado às brincadeiras feitas com personagens importantes
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Álvares de Azevedo está a cara de Fagundes Varela na estátua que os alunos da Faculdade
de Direito da USP levaram em
maio da praça da República para o largo São Francisco.
A polêmica sobre a verdadeira identidade da estátua das arcadas tem mais de meio século
e envolve professores, ex-alunos e historiadores.
Azevedo chegou inclusive a
passar um tempo como Fagundes Varela em uma praça do Pacaembu. A controvérsia é confirmada pelo Departamento de
Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura de
São Paulo.
Azevedo, Varela e Castro Alves, os três poetas e ex-alunos
de direito no largo, foram homenageados com seus nomes
nas arcadas da faculdade, mas
só o primeiro ganhou estátua.
Olhando bem a obra, realmente os cabelos de Álvares parecem muito revoltos, quando
na verdade ele os mantinha
num corte comportado. Além
disso, ele cultivava um bigodinho que entrega a diferença.
"A crônica da estátua é antiga. Fala-se até que a encomenda ao artista plástico [Amedeo
Zani] teria sido uma "estudantada", como os alunos chamam
as brincadeiras que costumam
promover com personagens
importantes. Assim, o artista
atendeu o pedido de esculpir
um Azevedo, tomando como
modelo a figura de Varela", diverte-se o advogado Miguel
Matos, do site jurídico "Migalhas", que reacendeu a polêmica Azevedo Varela quando os
alunos "roubaram" a estátua da
praça para instalá-la no largo
São Francisco.
A versão confirmada pela Secretaria da Cultura é a seguinte:
a estátua de Álvares de Azevedo
foi um presente do Centro Acadêmico XI de Agosto para a
prefeitura, que, em 1906, a instalou na praça da República; ali
a obra ficou por mais de 40
anos, até que, em 1950, depois
de forte polêmica acerca da semelhança do retratado com Fagundes Varela, a transportaram para um depósito da prefeitura, onde ficou mais de 30
anos, até 1981.
Nessa ocasião, depois de uma
vistoria no depósito, a estátua
foi recuperada e conduzida,
desta vez, para uma praça chamada Fagundes Varela -não
mais como um busto de Álvares
de Azevedo.
"De fato a estátua sempre esteve envolta em uma confusão
de imagens, que pode muito
bem ter nascido de uma boataria", acredita o professor Goffredo da Silva Telles Júnior,
que deu aulas na faculdade durante 45 anos.
Silva Telles diz isso não exatamente com base nas figuras
dos dois, mas nos temperamentos absolutamente distintos
deles.
"Não há como confundi-los.
O Álvares era um rapaz tímido,
recatado, enquanto o Varela
sempre foi boêmio, dado a
aventuras, todo mundo sabe",
explica Silva Telles.
Em 1984, a Academia Paulista de Letras, indignada com o
fato de homenagearem Varela
com um busto de Azevedo, redigiu uma carta-protesto reivindicando o retorno da estátua para a praça da República
-onde permaneceu até maio
deste ano.
Na carta, documentada no
DPH, os membros da APL até
concordam que o busto de Azevedo tem o jeitão de Varela
-mas argumentam que a intenção do XI de Agosto era homenagear o primeiro.
Três imortais consultados,
Paulo Bonfim, Paulo José da
Costa Júnior e Erwin Rosenthal, dizem que não têm conhecimento da polêmica. "Estou
enriquecendo meu acervo com
o que você está me dizendo",
afirma Bonfim, apontado por
fontes como um "arquivo vivo
da cidade".
O presidente da APL na época da remoção da estátua do Pacaembu para a República,
Lycurgo de Castro Santos Filho, chegou a reconhecer:
"Parece que a imagem corresponde à de Fagundes Varela
na fase final de sua vida. Todavia, a referida herma foi esculpida com a intenção de representar e rememorar Álvares de
Azevedo."
"É Álvares de Azevedo e acabou-se", decide, rindo, o professor Silva Telles.
Carlos Madia de Souza, dirigente da Associação dos ex-Alunos da Faculdade do largo
São Francisco, é a esperança de
um ponto final na controvérsia.
Diz ele que, sim, Varela vai
ganhar sua própria estátua -do
mesmo jeito que Castro Alves,
o terceiro homenageado na arcada da faculdade.
"Pretendemos erguer bustos
para os dois, assim que tivermos recursos. É um antigo projeto", explica.
Madia afirma que o personagem retratado "parece alguém
de fato mais velho que Álvares
[morto aos 20 anos]".
"Quando tivermos o dinheiro
para encomendar o próximo
busto, a gente decide se será um
novo Fagundes, ou mais um
Azevedo."
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