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'Salve, guerreiros'
DA REVISTA DA FOLHA
"Não tem erro. Pega a
estrada de M'Boi Mirim,
quando passar a igreja de
Piraporinha, vira à direita
e vai dar de cara com a padoca. Na bifurcação, tem
uma ladeirona, sobe e já é.
Firmeza?" São essas as
coordenadas de Alessandro Buzo para quem deseja chegar ao bar do Zé Batidão, sede do Sarau da Cooperifa, que acontece toda
quarta-feira, às 20h30.
No boteco, cerca de 200
pessoas dividem-se entre
as mesas de plástico e a
mureta do quintal. Cerveja
de garrafa, carne-seca com
mandioca cozida e um
drinque especial, a "gostosinha", caipirinha limão
com dois dedos de mel no
fundo do copo e um palito
de sorvete para mexer. São
os carros-chefe da casa.
À espera da atração
principal da noite, um telão entretém o público .
No pano branco pendurado numa corda de varal
amarela com pregadores
de roupa coloridos são exibidos filme realizados pela
comunidade. Num deles, a
história de Dona Maria,
uma moradora do bairro
que morreu vítima de leptospirose. "Não vamos jogar lixo na rua, galera." O
outro é um curta-metragem sobre um menino que
"pegou cana" por causa de
um vacilo.
Na penumbra, por causa
da projeção, Daniela Meira, 22, anda entre as mesas
perguntando para os guerreiros: "E aí, vai declamar?" É ela quem faz as
inscrições dos poetas, anotando nomes dos candidatos em um bloquinho improvisado com folhas de
caderno arrancadas. "Hoje
tá batendo nos 30 inscritos para declamar, mas
tem dia que vai a 50", conta. Ela mesma se inscreveu
para falar uma história
que já foi dela, mas não é
mais. A poesia de uma garota que tomou um fora,
chamada "Menina de Contrastes".
Aplausos depois do filme. Sandro Vaz, o MC
(mestre de cerimônias) do
evento e criador da Cooperifa, pega um microfone,
enquanto o pano é recolhido pela galera. Atrás dele,
surgem uma bandeira do
Brasil ao lado de uma placa que avisa: "O silêncio é
uma prece".
"Salve, guerreiros", saúda o MC, que avisa para
quem quiser conversar
que o faça naquele momento ou cale-se para
sempre, porque o sarau está para começar. Segundos
depois, como uma campainha de teatro, estão todos
calados, olhos fixos no
canto do bar, onde os poetas se apresentarão. Nesse
momento, uma brasília
velha faz barulho ao subir
a ladeira e recebe olhares
nada amistosos.
"Salve, povo bonito",
grita, e é ovacionado com
palmas e assobios. O ritual
de iniciação segue: "Povo
bonito, povo inteligente,
fora inveja, mediocridade.
Hoje, conseguimos fazer
menos 200 pessoas assistirem à Regina Duarte.
Enquanto bombardeiam o
Líbano, nós vamos comungar a paz. Uh, Cooperifa!" Muitos aplausos.
"Sales, é teu, irmão." Passa
o microfone pro truta e começa o sarau.
A gostosinha e a cerveja
gelada continuam rolando. Ao final de cada poesia,
uma salva de palmas. Tem
declamador que aparece
com papelzinho, tem rapper performático e mulherada contado sua história
de amor em versos. Tem
até quem não levou poesia
pronta, mas leu um trecho
de Charles Bukowski, e o
apresentou à galera como
o "bêbado-mor". Na platéia, os guerreiros de cabelo black power, agasalho
de capuz e colar longo no
peito tiram as mãos do
bolso para aplaudir a todos. Curiosos começam a
rondar, desconfiados, mas
de cara recebem um salve
e ficam "de boa, sem atravessar". As mulheres negras são enaltecidas e não
há nenhuma loira (verdadeira ou falsa) na geral.
Um dos declamadores
termina dizendo que Ferreira Gullar só terá valor se
deixar a USP e for à periferia. Eis que Sandro agarra
o microfone e incita. "Não,
irmão, ele não precisa vir
aqui, não. Nós é que vamos
lá. Queremos os 50% que
são nossos. Vamos tirar
aquele bando de vagabundo e colocar a malandragem lá!" O bar vem abaixo.
Lá pelas 23h30, o salve
final. Como final de missa,
os cooperiféricos se abraçam, se despendem e vão
deixando o recinto. Um ou
outro pede a saideira.
Na próxima quarta tem
mais.
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