São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Democracia a distância


Em apenas um ano, de 2007 a 2008, o número de brasileiros que aprendem com cursos a distância quase dobrou

FILHO de alfaiate e empregada doméstica, negro, ex-aluno de escola pública, Osvaldo Nascimento é uma raridade estatística. Não só porque se formou em engenharia elétrica, especializou-se em administração na FGV e em Harvard, mas por ser um dos raros negros (talvez o único) a dirigir o departamento de recursos humanos de uma grande empresa no Brasil.
Lá, aplica programas para reduzir mais improbabilidades estatísticas.
A empresa é a IBM, que, por 16 anos seguidos, é a campeã mundial de registro de patentes e investe, por ano, cerca de R$ 12 bilhões em pesquisa -muito mais que o Brasil.
Ele sabe que um dos obstáculos dos negros, dentro de uma empresa multinacional, é não falar outras línguas fluentemente e reforçou a oferta de cursos de inglês e espanhol. Isso facilitou a entrada em cursos de pós-graduação e MBAs, usando os mais diferentes recursos, entre os quais o ensino a distância.
"Como vamos manter as pessoas preparadas e com disposição para inovar se elas não aprendem permanentemente?", pergunta Osvaldo, que, com 27 anos na IBM, também tira proveito do ensino a distância misturado com aulas presenciais num MBA de gestão de pessoas da Fundação Dom Cabral (MG) Esse é um detalhe de uma das mais interessantes novidades brasileiras- aliás, poucas tendências são tão extraordinárias no país.

 

Em apenas um ano, de 2007 a 2008, o número de brasileiros que aprendem com cursos a distância quase dobrou, pulando de 397 mil para 761 mil- as indicações são de que, neste ano, as matrículas continuem a crescer com rapidez.
Neste ano, o governo federal anunciou um plano bilionário para a formação de professores em todo o país, viável apenas por causa das novas tecnologias. Na semana passada, o governo de São Paulo seguiu a mesma trilha, ao lançar uma universidade virtual, com direito à transmissão direta pela TV.
O que está acontecendo, em resumo, é a soma de novas possibilidades tecnológicas trazidas pelas mídias digitais, a generalizada convicção, entre os mais pobres, de que, sem diploma de ensino superior, eles empacam e, para completar, a disposição das empresas em bancar o estudo dos funcionários.
Quanto mais sofisticada a empresa, obrigada a se inovar, maior a disposição de apostar na formação -e, portanto, mais sofisticado seu departamento de recursos humanos.
As intranets viraram salas de aula.
É o que se vê nas edições especiais dedicadas à escolha das melhores empresas para trabalhar. Na imensa maioria delas, além da capacitação interna, são oferecidas bolsas para graduação, mestrado, doutorado, MBAs, além de idiomas. A Google banca 75% dos cursos que nada tenham a ver diretamente com o trabalho. Basta o indivíduo querer estudar, já está valendo o estímulo.
 

Há uma crescente percepção de que não existe mais estabilidade e a melhor empresa, portanto, não é necessariamente aquela que oferece os salários mais altos, mas um ambiente de aprendizagem acoplado a um plano de incentivos ao progresso individual -aí sim está a chance de estabilidade no mercado de trabalho.
Daí se entende o desmonte de um preconceito contra os cursos a distância, vistos com desconfiança, a tal ponto que, neste ano, a greve dos funcionários da USP atacou essa modalidade de ensino. As avaliações mostraram, porém, que, no geral, os alunos que estudam de longe exibem notas melhores.
Uma das explicações: eles são mais maduros, trabalham, sabem do valor que aquele conhecimento vai significar rapidamente em suas vidas. Portanto, são mais motivados e disciplinados, afinal é necessário estudar sozinho à noite ou nos finais de semana em casa.
 

Quando olhamos o Brasil pelos políticos e seus palácios, parece que pouca coisa muda -e aí vemos debates que vão da corrupção aos diplomas suspeitos. Mas quando olhamos pelas centenas de milhares de pessoas estudando sozinhas à noite na tela de um computador, vemos que muita coisa está mudando.
 

PS - Esse novo Brasil é visível numa das mais profundas investigações já feitas sobre a cidade de São Paulo, realizada pelo Datafolha e, na semana passada, publicada no livro intitulado "DNA Paulistano". Um detalhe, em especial, me chama a atenção. Mesmo nas regiões mais pobres e violentas da cidade -o extremo da zona sul, por exemplo-, 45% dos jovens e adultos têm ensino médio, e 9%, superior. A média na cidade é, respectivamente, 44% e 16%. O que significa cidadãos com escolaridade um pouco mais avançada e expectativas de aprendizado -e para quem o ensino a distância talvez signifique estar mais perto de um projeto de vida. E gente como Osvaldo Nascimento entra na galeria dos heróis contemporâneos.

gdimen@uol.com.br


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