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GILBERTO DIMENSTEIN
Os Osama bin Laden brasileiros
O Ministério da Educação já recebeu indicações do
risco de fraudes, em todo o país,
no uso das verbas do programa
Bolsa-Escola.
Espertalhões associados a políticos estão de olho nos recursos
destinados aos brasileiros mais
miseráveis, numa vulnerabilidade especialmente aguda em períodos eleitorais.
Em Barro, no Ceará, 15 pessoas
próximas do prefeito -todas
com razoável poder aquisitivo-
foram selecionadas para ganhar
a bolsa-escola. Entre elas, a filha
do vice-prefeito, a nora do presidente da Câmara Municipal e a
mulher do secretário da Agricultura.
Descobriu-se, por exemplo, que
entre os beneficiários do programa, em Juatuba, Minas Gerais,
está um indivíduo proprietário de
automóvel e de casa própria equipada com antena parabólica.
Chama a atenção que o dono da
parabólica seja ligado ao prefeito
-assim como outros aquinhoados na cidade que ganharam o
direito à bolsa-escola.
Resultado de uma parceria que
envolveu o PT, passando pelo
PFL, até o PSDB, num raro caso
de unanimidade política, o Bolsa-Escola é, de longe, a ação social
mais importante para amenizar
os níveis de indigência dos brasileiros. Uma mãe com três filhos
pode ganhar, por mês, até R$ 45
-quantia não-desprezível no interior do Nordeste, capaz de delimitar a fronteira entre passar fome e passar muita fome.
Neste ano, estão previstos investimentos de R$ 1,7 bilhão para 5,8
milhões de famílias, atingindo
10,7 milhões de crianças. Imagine
107 estádios lotados do Maracanã
para ter uma idéia da quantidade de crianças beneficiadas.
O problema essencial é que, no
Brasil, temos excesso de picaretagem e carência de fiscalização.
Não há gente suficiente nos governos para investigar os desvios; a
população, em particular a mais
carente, dispõe de escassos recursos para tornar públicas as mazelas; somente resta confiar na disposição da comunidade em denunciar e na celeridade da investigação e da punição.
Difícil imaginar forma pior de
terrorismo social do que o abalo
na confiança em programas de
renda mínima. O risco para a segurança social do país, já precária
em quase todos os aspectos, é semelhante ao de termos (e temos)
versões de Osama bin Laden.
Não se mata, como é óbvio, apenas com um revólver ou com uma
bomba. Pessoas morrem porque
faltam educação, saúde e alimento, o que acontece, em parte, por
causa da omissão, do descaso ou
da irresponsabilidade pública.
Morte, aqui, tem um significado
literal.
Acoplado ao Bolsa-Escola, foi
lançado o Bolsa-Alimentação,
que, até o final do ano, deverá
gastar, segundo as promessas do
Ministério da Saúde, R$ 152 milhões, começando pelas 1.143 cidades atingidas pela seca. Os recursos são voltados para crianças
de até seis anos e para mulheres
grávidas e em fase de aleitamento
que estejam vivendo na miséria.
Destinado a combater a mortalidade infantil e a desnutrição, o
Bolsa-Alimentação promete
atender 2,7 milhões de crianças e
mais 800 mil gestantes.
Uma eventual desmoralização
do programa de renda mínima
não afetaria somente o governo
federal.
Desde que o PT disseminou nacionalmente o conceito de renda
mínima, experiências similares
têm-se reproduzido velozmente
em todo o país, num esforço federal, estadual e municipal. Essa
fragmentação de ações, diga-se,
por si só, já traz o risco de desperdício. Como todos sabem, desperdício é a marca registrada da
imensa maioria dos programas
sociais brasileiros. Caso contrário, já estariam no passado imagens de pessoas famintas por causa da seca.
Os programas de complementação de renda são, porém, a melhor resposta disponível contra
uma praga brasileira: estudos e
mais estudos mostram como os
recursos sociais não chegam aos
mais pobres. Param, por exemplo,
nos funcionários inativos, com
seus benefícios constitucionais.
Ou no seguro-desemprego, que, a
rigor, só beneficia o empregado
no mercado formal. Também param quando o poder público banca os custos para famílias de classe média de ensino superior.
O Renda Mínima tem o poder,
pelo menos em tese, de ir para os
miseráveis, atuando diretamente
nos reforços à educação e à saúde.
Crianças mais bem nutridas e
com mais tempo na escola significam, em poucas palavras, o essencial para um país democrático.
PS - O desperdício faz parte da
própria essência nacional.
Estima-se em até R$ 150 bilhões
por ano o que se perde por falta de
cuidado e de educação nas mais
variadas atividades -de alimentos e água a energia elétrica. Especialistas calculam, por exemplo, que um prédio a mais poderia ser erguido apenas com o que
foi jogado fora desnecessariamente de três outros construídos.
E, por falar em renda mínima, o
programa de Varejo da Universidade de São Paulo (USP) informa
que quase 3% do faturamento
dos supermercados é jogado fora.
Tradução: apenas com o desperdício poderiam ser entregues cestas básicas a 600 mil famílias
mensalmente.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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