UOL


São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Testemunha revela detalhes de tortura a comerciante

FABIANA CIMIERI
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Em dois depoimentos à Polícia Federal, o preso Fabiano de Oliveira Costa, 28, disse que o comerciante sino-brasileiro Chan Kim Chang foi espancado por um agente penitenciário e três detentos com um bastão de madeira apelidado de "direitos humanos" por guardas do presídio Ary Franco. Quatro agentes e dois presos teriam presenciado a tortura, que durou quase uma hora.
Costa foi retirado ontem do Ary Franco, por ordem judicial, e pode ser transferido para Brasília.
De madrugada, o preso foi submetido a exame no Instituto Médico Legal, depois que sua mulher, a advogada Fernanda Neiva, procurou a PF para dizer que ele havia sido torturado no presídio.
O exame de corpo de delito indica que Costa tem uma queimadura no lado direito da bochecha, um hematoma no lado direito e dois arranhões no lado esquerdo do pescoço.
Ao saber do laudo, o procurador da República Leonardo Cardoso Freitas pediu à Justiça a transferência da testemunha.
Para o secretário estadual de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, os ferimentos em Costa foram provocados pela mulher do preso e por ele próprio. "Ele não apanhou, felizmente", disse, para quem a advogada e o procurador Leonardo Cardoso Freitas "articularam" a versão da agressão para transferir o preso. Procurado pela Folha, Freitas não foi encontrado.
Em um primeiro depoimento na 24ª DP (Delegacia de Polícia), de madrugada, Costa disse ter se queimado ao dormir com um cigarro na boca. De manhã, na Superintendência da PF, responsabilizou pela agressão outros presos, que estariam revoltados com os depoimentos sobre as torturas sofridas por Chan.
O delegado Victor Poubel, presidente do inquérito sobre a morte do comerciante, acredita na possibilidade de represália.
A Folha teve acesso aos depoimentos de Costa, tido pelo Ministério Público Federal e pela PF como a principal testemunha das agressões que resultaram na morte de Chan, no último dia 4.
Neles, Costa afirma que presenciou a maior parte das agressões. Disse que só resolveu depor por ter sido ameaçado pelo diretor do presídio, Alexandre Azevedo, que pediu que ele mudasse o depoimento para incriminar o ex-diretor Luiz Matias e os seis agentes penitenciários que estão presos. Azevedo não foi localizado pela reportagem da Folha.
Costa afirmou que Matias estava fora do Ary Franco quando Chan foi espancado e que dois agentes presos -Raul Broglio Júnior e Dênis Gonçalves Monsores- não agrediram Chan. Por ter se negado a mentir, Costa afirma ter sido trancado em uma cela.
Nos depoimentos, Costa detalha as torturas que teriam sido sofridas pelo comerciante em 27 de agosto, um dia após chegar ao Ary Franco. O preso responsabiliza o agente Éverson Motta, que está preso, como principal agressor.
Segundo Costa, Motta levou à sala de inspetoria Chan e um preso australiano. Chan teria manchas roxas nos cotovelos e um braço inchado, lesões que Motta queria fotografar. Na sala de disciplina, onde Costa diz que estavam o agente Ricardo Sarmento Alves e dois presos de confiança, Chan não quis ser fotografado.
Motta pegou na sala de inspetoria um bastão de madeira, semelhante a uma enxada sem a ponta cortante, batizado de "direitos humanos", voltou para a sala onde estava Chan e disse: "Agora vamos ver se ele tira ou não as fotos". A porta foi fechada e "pareceu que desabava o mundo", afirmou Costa.
Quando a porta foi aberta, Chan estava no chão, segundo a testemunha. Tentou se levantar segurando o pé de uma mesa, que virou, fazendo com que ele caísse para trás e batesse a cabeça numa gaveta de metal. "Começou a esguichar sangue. [Chan] Passava a mão na cabeça, nas paredes e nos arquivos. Em seu desespero, passou sangue no rosto do agente Sarmento, que saiu da sala", declarou Costa no depoimento.
Segundo a testemunha, Motta chutou Chan "várias vezes e fortemente", empurrando-o para fora da sala de disciplina, dando joelhada em seu peito e até pisando duas vezes em sua cabeça. Chan passou a sangrar pelos ouvidos. Segundo o depoimento, Motta e Valério arrastaram Chan pelos pés até a cela de triagem. Os agentes Carlos Alberto Rodrigues e Carlos Luiz Corrêa assistiram à cena e nada fizeram. Ainda irritado, Motta pegou o "direitos humanos" e bateu na grade, atingindo Chan no que Costa define como "o golpe de misericórdia".

Outro lado
O criminalista Michel Assef, que defende os seis agentes penitenciários presos, disse que o depoimento de um detento "não tem a menor credibilidade". Para ele, Costa está "inventando uma história para ser transferido".


Texto Anterior: Outro lado: Recomendação do ECA é cumprida, diz presidente
Próximo Texto: Para secretário, mulher agrediu
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.