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PASQUALE CIPRO NETO
"A Justiça Eleitoral já o deu ganho de causa"
Há quase dois anos, escrevi
a respeito desta frase, veiculada (diversas vezes no mesmo
dia) numa das mais importantes
emissoras de rádio do país: "Bush
assina resolução que o permite
atacar o Iraque". Na última terça-feira, outra de nossas importantes emissoras de rádio veiculou (também mais de uma vez
durante o dia) esta: "O candidato
afirma que a Justiça Eleitoral já o
deu ganho de causa".
Que há em comum entre essas
duas frases -e tantas outras semelhantes, cada vez mais comuns
nos jornais, no rádio e na TV? No
mínimo, a revelação de que alguns jornalistas empregam mal
os pronomes oblíquos "o" e "lhe".
No padrão culto da língua, os
pronomes "o" e "lhe" têm papel
distinto: o "o" substitui termo que
funciona como complemento verbal direto ("Faz tempo que não
vejo seu pai" = "Faz tempo que
não o vejo"); o "lhe" substitui termo que funciona como complemento indireto ("Faz tempo que
prometi isso a seu pai" = "Faz
tempo que lhe prometi isso").
O problema da frase veiculada
nesta semana é semelhante ao
que ocorre na que trata das maléficas intenções de Bush: o "o" foi
empregado no lugar do "lhe"
("Bush assina resolução que lhe
permite atacar o Iraque"; "O candidato afirma que a Justiça Eleitoral já lhe deu ganho de causa").
No primeiro caso, permite-se algo a alguém ("A resolução permite a Bush atacar" = "A resolução
lhe permite atacar"); no segundo,
dá-se algo a alguém ("A Justiça
Eleitoral deu ao candidato" = "A
Justiça Eleitoral lhe deu").
Posto isso, passemos para a nossa tradicional "investigação" sobre o porquê desses desvios. É
mais do que evidente que, na língua oral, o oblíquo "o" é um moribundo. Quantas vezes por dia
dizemos ou ouvimos "Faz tempo
que não o vejo", "Vejo-o todos os
dias", "Encontrei-o na esquina"
etc.? Arrisco-me a dizer que...
Nenhuma, certo? Na língua do
dia-a-dia, o "o" dos exemplos vistos é substituído por "ele" ("Faz
tempo que não vejo ele"; "Vejo ele
todos os dias"; "Encontrei ele...").
Também é fato (já analisado e
comentado aqui diversas vezes)
que, na oralidade de diversas regiões do Brasil, o pronome "lhe" é
usado como complemento direto
("Faz tempo que não lhe vejo";
"Eu lhe esperei muito tempo").
Até aí, nenhum problema. Como diz o eminente professor Evanildo Bechara, o importante é ser
poliglota na mesma língua, o que,
no caso que estamos discutindo,
consiste em dominar não só o emprego coloquial dos pronomes
oblíquos (processo que, de resto,
ocorre naturalmente), mas também -e sobretudo, em se tratando de quem usa os meios de comunicação- o formal.
O que acabo de afirmar vai ao
encontro (ao encontro, e não de
encontro) do que pensam as bancas examinadoras dos mais importantes vestibulares do país.
Basta ver o que se pede nas provas
de português da Vunesp, da Fuvest, da FGV, da PUC etc.
Nessas provas, são comuns as
questões que pedem aos candidatos que identifiquem as marcas típicas da linguagem oral, que
substituam o oral pelo formal etc.
Nessas questões, o emprego dos
pronomes é assunto freqüente.
Posso estar enganado, mas os
casos analisados nesta coluna parecem revelar monoglotismo, isto
é, a falta de contato com as diversas variedades da língua. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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