São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2004

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PALANQUE DE MASSA

Maioria das propostas, geralmente sem conexão com outras políticas públicas, não resistiu à troca de gestão

Mundo real desafia promessa de campanha

FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem se lembra dos ônibus vermelhinhos de dois andares de Jânio Quadros, semelhantes aos que rodam em Londres? E das carteirinhas do PAS, o plano de saúde de Paulo Maluf (PP) que prometia levar os paulistanos ao primeiro mundo da saúde pública?
Pois esses projetos com grande repercussão na propaganda dos ex-prefeitos que prometiam ser a panacéia que resolveria os problemas da cidade não sobreviveram ao teste da realidade. Por inviabilidade econômica, como o Dose-dupla de Jânio, ou suspeitas de irregularidades, no caso do programa malufista seguido por Celso Pitta, eles foram extintos pelos prefeitos que os sucederam.
E não foram os únicos. A Folha selecionou as principais bandeiras de campanha ou de início de governo dos últimos cinco prefeitos e quatro governadores de São Paulo e verificou o que aconteceu.
Muitos nem saíram do papel. Como a Casa da Criança, substituta da Febem, e os Cieps prometidos pelo ex-governador Orestes Quércia, escolões inspirados no modelo de Leonel Brizola. O peemedebista ganhou a eleição, mas não os implantou. Hoje nem lembra ao certo o que foi prometido.
Há casos pitorescos que causaram barulho no início das gestões, como os decretos de Jânio que proibiam skates, bicicletas e biquínis no parque Ibirapuera, depois revogados. Mais recentemente, houve os psicodramas propostos pela prefeita Marta Suplicy, terapia grupal que reuniu 8.000 pessoas para dramatizar a relação com a cidade. Na segunda "sessão", só 500 apareceram.
Mais visíveis, as grandes obras de engenharia contam parte dessa história. Marta, candidata à reeleição, assumiu a continuidade do Fura-Fila, caso recente mais emblemático da influência do marketing nas gestões. Criação do marqueteiro Duda Mendonça, hoje em diversas campanhas do PT, inclusive na de Marta, o projeto foi o maior destaque na eleição que levou Celso Pitta à prefeitura.
A previsão era que começasse a funcionar em 1998, mas, depois de oito anos e de mais de R$ 400 milhões, ainda está em construção. Marta promete o primeiro trecho para dezembro.
Já o Rodoanel, encampado pelo governador Mário Covas, do PSDB do também candidato José Serra, previa a construção de um anel viário de mais de 170 km ao redor da região metropolitana de São Paulo. Passados dez anos, só o trecho oeste (32 km) ficou pronto.
Em comum à maioria desses projetos há o fato de terem sido apresentados isoladamente, sem conexões com outras políticas públicas. "As complexas políticas urbanas se reduzem a questões de marketing nas eleições. Parecem simples ao eleitor, mas não têm viabilidade", observa o professor de história do urbanismo Nestor Goulart Reis Filho, da USP (Universidade de São Paulo).
Para ele, o divórcio entre quem faz os projetos e quem os aplica é trágico. "Projetos sem conexão com um plano de governo multidisciplinar acabam retalhando as administrações."
O urbanista acredita que as soluções mais eficazes geralmente são aquelas que aplicam o conhecimento técnico já consolidado e apostam em programas de longo prazo. "Propostas que parecem sair da cartola devem ser vistas com cautela pelo eleitor."
Reis Filho cita como exemplo positivo o IPPUC, instituto autônomo criado em 1965 em Curitiba que ajuda prefeitos a planejarem o desenvolvimento da cidade.


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