São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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HABITAÇÃO POPULAR

Segundo arquitetos, cômodos construídos sem critério são perigosos, além de faltar iluminação e ventilação

Disseminado, "puxadinho" ganha inimigos

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é preciso andar muito pelas ruas de São Paulo para encontrar casas com algum tipo de "puxadinho". Seja na periferia, seja em bairros de classe média, construir mais um cômodo junto à casa, sem nenhum projeto ou orientação, faz parte da rotina. Preocupados com essas obras, arquitetos e até um pastor (leia nesta página) começam a se organizar para combater os "puxadinhos".
Uma das iniciativas parte do escritório de arquitetura Vista Urbana, que há dois anos resolveu ajudar entidades comunitárias da capital que funcionam em prédios ampliados à base dos "puxadinhos". Depois de estudar as construções de dez associações, eles elaboraram projetos com custo baixo para reformá-las. Duas entidades já estão em obras e oito buscam patrocinadores para legalizarem sua situação. Todas as propostas estão expostas na 6ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo.
"Não bastava condenar os "puxadinhos", tínhamos de começar a combatê-los", diz Caio Marin, um dos sócios do escritório. "Começamos pelas associações, que atendem um grande número de pessoas." O próximo plano é implantar escritórios na periferia para orientar a população sobre como fazer construções. "Sabemos que esta idéia é mais utópica e complexa, mas é necessária porque as obras são feitas como se fossem colchas de retalho."
A casa do pintor Amaro Teixeira de Andrade, 55, no Jardim Macedônia, zona sul, é assim. Primeiro ele construiu uma casa no fundo do terreno inclinado que comprou na rua Jorge Colaço. Depois, fez mais uma casinha no meio do terreno, grudada na anterior, e agora trabalha em mais um cômodo, bem na parte da frente, que ainda não sabe para que vai servir. "Pode ser um salão ou até uma nova casa. Quem sabe eu não pego minha mulher e venho morar aqui?" Hoje, ele vive com três filhos e um neto na casa de baixo. A do meio está vazia porque falta a parte elétrica.
Andrade conta que aprendeu a construir quando foi ajudante de pedreiro, em 1969. "O segredo é saber assentar os blocos. Minhas obras nunca deram problema e nunca tive a ajuda de nenhum engenheiro." A construção do terceiro cômodo começou há três anos e vai sendo tocada conforme sobra dinheiro. "Já gastei mais de R$ 4.000 porque o material é caro. Aos poucos, a gente acaba."
Nessa história de esperar o dinheiro, já faz 20 anos que Maria Aparecida Roza, vizinha de frente de Andrade, começou seu "puxadinho". Na parte de cima da casa, construída pelo irmão "sem planta nem medida", ela começou a fazer quartos para seus dois filhos. "Só tinha um na parte de baixo e dormia todo mundo junto. Precisava de mais espaço, mas ainda não deu para terminar." Mesmo assim, os cômodos são usados. "O problema é que está tudo despencando. Em volta das janelas, o tijolo começou a cair. Se tivesse ajuda, faria bem feito."
As casas de Andrade e Roza não são exceção. Na rua onde moram, apenas uma ou duas, contam, não tem seu "puxadinho". "Toda casa tem seu arremedo. A família cresce e a gente aumenta", explica Roza. O problema, diz Marin, é que essas construções pioram a qualidade de vida das famílias. "É claro que tem o perigo de alguma parte cair, porque as obras não têm projeto nenhum, mas o que mais acontece são os problemas de insalubridade, como falta de iluminação e de ventilação."
Além disso, a circulação nessas casas é complicada. "Os cômodos costumam ser muito pequenos, amontoados, porque são feitos aleatoriamente", afirma. "Acreditamos que 90% das casas da periferia sejam construídas pelos próprios moradores ou por vizinhos, sem orientação nem aprovação da prefeitura. Pedreiros com uma base mínima vão levantando paredes e não há fiscalização."
As secretarias da Habitação e de Subprefeituras da capital informaram que não têm o levantamento de quantos "puxadinhos" ilegais existem na cidade. O Instituto de Arquitetos do Brasil, departamento de SP, também não tem números, mas seu presidente, Paulo Sophia, diz que fazer esses cômodos é um hábito comum e perigoso. "Em geral, a casa foi construída com critério, e o "puxadinho", não. Ele é um complemento não previsto no projeto original e pode comprometer toda a estrutura da obra." Ele lembra que esse tipo de obra não é exclusividade da periferia. "Tem na cidade toda, até em bairros ricos. É que lá eles não são notados. Mas também podem causar problemas porque invadem as áreas verdes e de permeabilidade do solo."


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