São Paulo, sexta-feira, 30 de outubro de 2009

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Seguro de dirigente cobre até assédio sexual

Contrato foi feito por estatais como Metrô, CPTM, EMTU e Sabesp; benefício não inclui casos comprovados de dolo ou má-fé

O temor de especialistas é que esse tipo de blindagem a executivos de estatais possa facilitar atos descuidados ou polêmicos no aspecto legal

ALENCAR IZIDORO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Estatais do governo de São Paulo, como Metrô, CPTM, EMTU e Sabesp, contrataram seguros milionários para livrar seus dirigentes de pagar indenizações por eventuais irregularidades cometidas no cargo.
A cobertura pode garantir que, se forem condenados pela Justiça -por contratos lesivos, danos ambientais e até assédio moral e sexual, por exemplo-, a seguradora é que deve assumir as punições financeiras.
Se tiverem bens bloqueados, alguns podem inclusive receber valores de até R$ 3 milhões para que se mantenham.
"É estranho a estatal pagar um seguro desses para um dirigente. Se alguém foi condenado, é porque cometeu uma irregularidade, agiu de forma indevida", afirma Paulo Boselli, professor da Fatec de São Paulo e consultor de licitações.
As situações cobertas se referem à responsabilidade civil (como casos de imperícia, imprudência ou negligência), e não criminal, dos dirigentes. O seguro não arca com os custos nos casos em que ficar comprovado que houve dolo ou má-fé -se a Justiça concluir que houve corrupção, por exemplo.
As estatais da gestão José Serra (PSDB) ligadas ao setor de transporte firmaram seus primeiros contratos desse tipo a partir de abril deste ano. Afirmam seguir uma orientação do governo do Estado.
Metrô, CPTM e EMTU afirmam que, juntas, devem gastar R$ 644 mil por ano com esse seguro -cuja cobertura pode atingir até R$ 30 milhões.
Já a Sabesp, que paga R$ 1,26 milhão por ano, diz ter cobertura do tipo desde 2002, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB).
A orientação para que as estatais alterassem seus estatutos sociais e padronizassem esse seguro partiu do Codec (Conselho de Defesa dos Capitais do Estado), órgão do governo que disciplina os procedimentos de gestão de pessoal. Mas ele diz que a decisão de contratar os seguros cabe a cada uma das empresas.

Blindagem
O temor de especialistas consultados pela Folha é que esse tipo de blindagem aos dirigentes de estatais, ao reduzir seu nível de responsabilidade por indenizações financeiras, possa facilitar atos descuidados ou polêmicos no aspecto legal.
"Claro que, dentro do direito, há temas questionáveis, opiniões divergentes. Mas, se esse seguro fosse razoável, por que só valeria para dirigentes, e não aos funcionários de menor escalão?", questiona Boselli.
O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e da Justiça Paulo Brossard disse à Folha nunca ter ouvido falar antes nesse tipo de cobertura aos dirigentes de empresas públicas. Até por isso, não tem opinião formada a respeito. Mas faz duas ponderações.
De um lado, afirma que "a remuneração no serviço público costuma ser modesta" diante dos riscos e responsabilidades que eles têm de assumir. De outro, Brossard declara: "As melhores medidas podem muitas vezes resultar em abusos".

Herdeiros
O maior valor de cobertura dos contratos identificados pela Folha é da Sabesp, num total de R$ 80 milhões. O seguro pode ser extensivo aos herdeiros e representantes legais e marido ou mulher.
Entre os processos que poderiam ser cobertos pelo seguro há ações movidas pelo Ministério Público contra ex-dirigentes da Sabesp que contrataram escritórios de advocacia sem licitação, de 1996 a 2005.
Existe apuração também sobre a participação societária de um dos administradores em uma empresa de engenharia contratada pela Sabesp.
Também há inquérito sobre possíveis irregularidades no contrato para fornecimento de água não potável. A Sabesp vinha fornecendo 63 milhões de litros de água potável por mês para uma fábrica de papel, mas cobrava pelo preço de água de reuso, que vem do tratamento de esgoto e é mais barata.


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