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Taleban na faculdade
Em universidade de São Bernardo, multidão de alunos persegue colega de microvestido, que só consegue sair escoltada pela PM
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA
Pu-taaa! Pu-taaa! Pu-taaa!
Cerca de 700 alunos da Uniban,
Universidade Bandeirante de
São Paulo, campus de São Bernardo, pararam as aulas do noturno para perseguir, xingar,
tocar, fotografar, ameaçar de
estupro, cuspir. Tudo isso contra uma aluna do primeiro ano
do curso de turismo, 20 anos,
1,70 metro, cabelos loiríssimos
esticados e olhos verdes, que
compareceu à escola em um
microvestido rosa-choque, pernas nuas com pelinhos oxigenados à vista, salto 15, maquiagem de balada, na quinta-feira
da semana passada (22).
Michele Vedras (nome fictício inventado por ela em um
blog) só conseguiu sair da escola sob escolta de cinco soldados
da PM, duas mulheres inclusive, que tiveram de usar spray de
pimenta para conter os mais
exaltados e abrir caminho entre a massa. Vídeos do ataque
circulam pela rede, um deles
intitulado "A Puta da Uniban".
O microvestido rosa-choque
de Michele, naquele dia, andou
de ônibus -no total, a moça
gasta duas horas para ir e voltar
da faculdade. Mereceu elogios
-"Gostosa!"- durante o trajeto. O mesmo vestido foi usado
na festa de aniversário da sobrinha de Michele, uma festinha
em família. Mas, na Uniban,
onde a moça chegou às 19h45, o
tempo esquentou.
Estudantes de outros cursos
que não os de turismo, entrevistados pela Folha anteontem, criticaram Michele. "Ela
veio provocar." "Ela andava rebolando." "Deixou cair uma
carteira, de propósito, só para
ter de se agachar." "Aquilo não
é roupa de vir à faculdade."
Estudantes do curso de turismo ouvidos pela Folha defenderam a colega. "Ela sempre
anda assim, de um jeito ousado." "Ela faz esse estilo mulherão mesmo." "Ela é avantajada,
sim. Mulheres com a autoestima lá embaixo morrem de inveja." "É uma vergonha para a
escola ter alunos assim. Parece
que esses caras nunca viram
uma mulher."
Desfile na rampa
O prédio da faculdade de turismo tem um átrio central cercado de rampas por todos os lados. Quando Michele chegou à
escola e começou a subir uma
rampa, os rapazes ficaram paralisados. Alguns conseguiram
se mexer. Mas para ir ao prédio
vizinho, chamar colegas para
ver também. A pequena multidão, até aí, tinha cerca de 200
pessoas, segundo um estudante. Muitos assobiavam.
Michele achou melhor sair
da rampa no segundo andar e
usar a escada para chegar ao
terceiro, onde fica a classe dela.
As aulas começaram.
Às 20h30, a jovem resolveu ir
ao banheiro. Uma colega de
classe fez questão de acompanhá-la, receando algum problema. "Eu estava com receio, mas
nem podia imaginar o que viria
daí para frente", disse Kelly Andrezzi dos Santos, 19. De repente, algo como 20 garotas de outros cursos invadiram o banheiro. Queriam obrigar Michele a vestir uma calça, xingavam-na, diziam que ela estava
provocando, "causando".
A confusão foi a senha. Rapazes saíam de suas salas e se
aglomeravam na porta do banheiro das mulheres. O professor Rubens, de Desenvolvimento Gerencial, que dava aula
para a classe de Michele, teve
de sair da sala em operação de
resgate. Foi acompanhado por
colegas de turma.
"A gente teve de distribuir tapas nas mãos dos meninos, que
tentavam enfiar o aparelho celular no meio das pernas [da
Michele], para tirar fotos", lembra a amiga Amanda de Sousa
Augusto, 19, aluna da mesma
classe. "Foi uma agressão, uma
injustiça. A Michele é uma superboa pessoa."
A turma do professor Rubens
voltou para a sala e se trancou
nela. A essa altura, a maioria
dos garotos dos dois prédios da
Uniban já tinha saído de suas
classes. Eles revezavam-se no
visor da porta, pulavam para alcançar uma janela mais alta.
O coordenador de curso subiu até a classe sitiada. Pediu
que Michele fosse embora. Que
ela vestisse o jaleco dele ao sair.
E foi-se. Michele não quis sair.
O namorado ia buscá-la no fim
do período de aulas -iriam
juntos a uma festa.
Presos na sala de aula, a turma e o professor ouviam os estudantes lá fora gritando. "Solta ela, professor! Deixa pra
nós." "Vamos estuprar!" Colegas de classe colaram folhas de
fichário por dentro da janela,
para evitar os olhares.
A essa altura, Michele chorava, desmanchando a maquiagem. Um chute na porta, a maçaneta voou. Machucou o professor. Três seguranças se apresentaram na sala. O mais graduado dirigiu-se à moça: "Bonito, né... Vir à faculdade dessa
maneira". Ele queria que Michele saísse naquele momento,
mas a representante de classe
não permitiu. Achava que a colega corria risco. Chamou o 190.
"Seus coxinhas [PMs], vão levar a gostosa?", um aluno uivou
no ouvido de A., um dos policiais que atendeu ao chamado.
Quando Michele passou, escoltada, na frente da sala dos professores, uma docente fez questão de sair. Com uma careta,
perguntou: "É essa a fulana?".
Na catraca da escola, sempre
sob a escolta policial, Michele
viu entre os que a agrediam
uma menina com o celular na
mão, fotografando a sua vergonha: "Ela pega o ônibus comigo
todo dia. Sempre quietinha.
Mas naquele dia, ela atacava
irada: pu-ta, pu-ta. Não entendi
por que tanta raiva".
Filha de uma dona de casa e
de um supervisor de serviços,
ambos apenas o primário completo, Michele tem um irmão
de 32 e duas irmãs (30 e 16). O
pai é quem paga os R$ 310 de
mensalidade. Mora em um
bairro popular em Diadema. Já
trabalhou em um mercadinho.
Michele não pretende abandonar a faculdade. Hoje, ela
comparece pela primeira vez à
Uniban, desde o episódio, para
depor em uma sindicância que
apura o ocorrido. A jovem tem
ficado reclusa. "Sempre ando
arrumada, salto alto e maquiada. É assim que me vejo. É assim que eu sou. Mas, desde
aquela quinta-feira, não consigo mais ser quem eu era. Só me
visto de calça e camiseta e a maquiagem ficou na gaveta", disse.
Assista ao vídeo
www.folha.com.br/093026
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