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Sem ajuda oficial, família mantém doente mental acorrentado em SP
Irmã percorreu durante quase um ano hospitais e pronto-socorros; internação ocorreu só ontem
"Eu não posso deixá-lo solto. E se ele mata alguém?", questiona Vera Lucia; irmão já agrediu pedestres
LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Foi internado ontem no
Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel o doente mental Antonio Bispo dos Santos, 42,
que viveu durante quase um
ano completo acorrentado a
uma parede da Igreja Assembleia de Deus Jardim Prainha, bairro à beira da represa
Guarapiranga, zona sul de
São Paulo.
A cadeia de aço de 120 centímetros de comprimento estava presa, bem justinha, por
um cadeado em torno do tornozelo direito do homem.
Até ontem as 13h, Bispo
dos Santos comia, dormia,
tomava banho, vivia acorrentado, 24 horas por dia.
Quem o mantina preso nessas condições era sua própria
irmã, a costureira Vera Lucia
Pereira dos Santos, 52.
"Ele chorava de dor
nas pernas, gritava, pedia
para ser solto. Eu sei que isso
não se faz com um cachorro,
mas o que eu podia fazer?",
pergunta.
Doente mental, Bispo dos
Santos apresenta quadro de
esquizofrenia e de epilepsia.
O posto de saúde municipal
do Jardim Eliane já mandou o
homem para internação psiquiátrica várias vezes.
Em 27 de janeiro, sob a advertência "Urgente!", a guia
de encaminhamento dizia:
"Apresenta risco às pessoas
da comunidade. Não pode ficar em domicílio".
Em 11 de junho, novo encaminhamento detalhava a situação: "Oferece risco físico
a familiares e pessoas próximas devido a mudanças
bruscas de comportamento,
agressividade, alucinações
auditivas, crises convulsivas". A vizinhança pobre tem
medo de Bispo dos Santos.
Nas poucas vezes em que
fugiu, o homem arrancou a
pontapés portas das casas
em torno, inclusive um portão de aço. Socou um vitral.
Arremessou paralelepípedos
contra pedestres ("ele tem
uma cisma com mulheres e
crianças", diz uma vizinha),
surrou a própria irmã e uma
fiel da igreja. Com um golpe,
arrancou da parede o sistema
hidráulico de um banheiro.
Bispo dos Santos morava
até o ano passado com a mãe
de 83 anos em Itabuna, na
Bahia. Quando ela morreu, a
irmã, que vive em São Paulo
há 40 anos, foi buscá-lo.
"Em Itabuna, meu irmão
ficava 15 dias no hospital e 15
dias no cômodo com grades
que minha mãe construiu."
Em São Paulo, a irmã Vera
Lucia percorreu repartições
públicas, hospitais e pronto-socorros em busca de ajuda
para o irmão. Apelou para a
polícia, para a Defensoria Pública, para o Samu. "Eu não
posso deixá-lo solto. E se ele
mata alguém?"
Em uma das crises convulsivas, Bispo dos Santos foi levado para o PS Maria Antonieta Ferreira de Barros, o
mais perto de sua casa.
"Amarraram-no com lençóis à maca, deram várias injeções para ele se acalmar e
ele não se acalmou. Então
mandaram para o Hospital
do Campo Limpo, que o internou por 14 dias. De lá,
mandaram-no para casa",
lembra a irmã.
O açougueiro desempregado e pastor Amiraldo Arcanjo Cruz, marido de Vera
Lucia, afirma que o Hospital
do Campo Limpo encaminhou seu cunhado para tratamento ambulatorial. "Ele
precisaria ser levado todos os
dias para o Caps (Centro de
Atenção Psicossocial) de
Santo Amaro.
"Disseram que eu ou minha esposa tínhamos de levá-lo de manhã e trazê-lo de
tarde. Como, se ninguém
aguenta com ele quando está
surtado?"
O receio atual da família é
que, passados alguns dias de
internação no Pinel, voltem a
dar alta para Bispo dos Santos. "Meu maior sonho era
cuidar eu mesma dele, mas
preciso de ajuda para isso",
diz a irmã.
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