São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2010

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Sem ajuda oficial, família mantém doente mental acorrentado em SP

Irmã percorreu durante quase um ano hospitais e pronto-socorros; internação ocorreu só ontem

"Eu não posso deixá-lo solto. E se ele mata alguém?", questiona Vera Lucia; irmão já agrediu pedestres

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

Foi internado ontem no Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel o doente mental Antonio Bispo dos Santos, 42, que viveu durante quase um ano completo acorrentado a uma parede da Igreja Assembleia de Deus Jardim Prainha, bairro à beira da represa Guarapiranga, zona sul de São Paulo.
A cadeia de aço de 120 centímetros de comprimento estava presa, bem justinha, por um cadeado em torno do tornozelo direito do homem.
Até ontem as 13h, Bispo dos Santos comia, dormia, tomava banho, vivia acorrentado, 24 horas por dia. Quem o mantina preso nessas condições era sua própria irmã, a costureira Vera Lucia Pereira dos Santos, 52.
"Ele chorava de dor nas pernas, gritava, pedia para ser solto. Eu sei que isso não se faz com um cachorro, mas o que eu podia fazer?", pergunta.
Doente mental, Bispo dos Santos apresenta quadro de esquizofrenia e de epilepsia. O posto de saúde municipal do Jardim Eliane já mandou o homem para internação psiquiátrica várias vezes.
Em 27 de janeiro, sob a advertência "Urgente!", a guia de encaminhamento dizia: "Apresenta risco às pessoas da comunidade. Não pode ficar em domicílio".
Em 11 de junho, novo encaminhamento detalhava a situação: "Oferece risco físico a familiares e pessoas próximas devido a mudanças bruscas de comportamento, agressividade, alucinações auditivas, crises convulsivas". A vizinhança pobre tem medo de Bispo dos Santos.
Nas poucas vezes em que fugiu, o homem arrancou a pontapés portas das casas em torno, inclusive um portão de aço. Socou um vitral. Arremessou paralelepípedos contra pedestres ("ele tem uma cisma com mulheres e crianças", diz uma vizinha), surrou a própria irmã e uma fiel da igreja. Com um golpe, arrancou da parede o sistema hidráulico de um banheiro.
Bispo dos Santos morava até o ano passado com a mãe de 83 anos em Itabuna, na Bahia. Quando ela morreu, a irmã, que vive em São Paulo há 40 anos, foi buscá-lo.
"Em Itabuna, meu irmão ficava 15 dias no hospital e 15 dias no cômodo com grades que minha mãe construiu."
Em São Paulo, a irmã Vera Lucia percorreu repartições públicas, hospitais e pronto-socorros em busca de ajuda para o irmão. Apelou para a polícia, para a Defensoria Pública, para o Samu. "Eu não posso deixá-lo solto. E se ele mata alguém?"
Em uma das crises convulsivas, Bispo dos Santos foi levado para o PS Maria Antonieta Ferreira de Barros, o mais perto de sua casa.
"Amarraram-no com lençóis à maca, deram várias injeções para ele se acalmar e ele não se acalmou. Então mandaram para o Hospital do Campo Limpo, que o internou por 14 dias. De lá, mandaram-no para casa", lembra a irmã.
O açougueiro desempregado e pastor Amiraldo Arcanjo Cruz, marido de Vera Lucia, afirma que o Hospital do Campo Limpo encaminhou seu cunhado para tratamento ambulatorial. "Ele precisaria ser levado todos os dias para o Caps (Centro de Atenção Psicossocial) de Santo Amaro.
"Disseram que eu ou minha esposa tínhamos de levá-lo de manhã e trazê-lo de tarde. Como, se ninguém aguenta com ele quando está surtado?"
O receio atual da família é que, passados alguns dias de internação no Pinel, voltem a dar alta para Bispo dos Santos. "Meu maior sonho era cuidar eu mesma dele, mas preciso de ajuda para isso", diz a irmã.


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