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Ação em catástrofe nos EUA foi mais eficaz
Comparado com a mobilização para o furacão Katrina, há três anos, Santa Catarina teria menos mortos com prevenção efetiva
Fiscalização nas encostas no Estado é falha, ocupação nos vales é desordenada e áreas de risco abrigam milhares de pessoas
IURI DANTAS
ENVIADO ESPECIAL A BLUMENAU
Dois países, duas catástrofes
diferentes, mas semelhantes:
milhares de desabrigados, quilômetros de inundação, necrotérios lotados e prejuízos incalculáveis.
Mas a catástrofe das chuvas
em Santa Catarina, que ganha a
história como uma tragédia
sem nome, supera a passagem
do furacão Katrina pelos Estados Unidos há três anos: se lá o
número de mortes poderia ser
maior, não fossem os alertas de
evacuação, por aqui a calamidade cobraria menos vidas, se
houvesse prevenção efetiva.
A dor de parentes e amigos,
não há dúvida, é a mesma. Já as
feridas abertas por forças da
natureza são bastante diferentes em cada um dos países.
Em números, o furacão Katrina arrebatou a vida de 1.836
pessoas, dado bem superior às
110 mortes causadas pelas chuvas em Santa Catarina conhecidas até ontem.
Uma comparação que não faz
sentido para a catarinense Alda
Torres, 43, mãe de Diego, 22, e
Michele, 24, soterrados na casa
em que viviam. "Perdi o chão,
não tenho perspectiva de nada.
Não sei o que vai acontecer comigo quando acordar deste pesadelo", afirmou.
Em setembro de 2005, a reportagem percorreu Nova Orleans, refez o caminho do furacão Katrina e pôde ver que a região retrocedeu um século: não
havia água encanada, energia
elétrica e linhas de telefonia.
Em Santa Catarina, o problema foi maior. Baixadas as águas
das chuvas, é possível verificar
que em cem anos muitos problemas no Brasil continuam os
mesmos: não há fiscalização
nas encostas, a ocupação é desordenada nos vales, áreas sob
risco constante abrigam milhares de pessoas.
Na manhã do dia 23 de novembro, Salvelina Peixoto, 54,
em cadeira de rodas, uma perna
amputada por causa de úlcera,
viveu a mesma calamidade de
25 anos atrás. Perdeu tudo nas
enchentes de 1983 e agora
abandonou a nova casa sob o
mesmo risco de perder a vida.
"Ninguém dormiu de sábado
para domingo. Toda hora vinha
barulho de terra deslizando, explosão, poste caindo. A enxurrada chegou a balançar a casa,
por isso decidimos sair. Todo
mundo foi, menos eu. Se não
fossem os bombeiros não estaria aqui", contou, ao lado do
marido e da filha em um abrigo.
A tragédia no Brasil possui
apenas data.
Ajuda
A imagem de milhares de desabrigados refugiados no estádio Superdome, em Nova Orleans, reclamando comida,
água e segurança marcou a passagem do furacão pela cidade
do jazz norte-americana. No
Vale do Itajaí, as imagens são
diferentes: lama e terra cobrindo casas de vítimas ainda anônimas.
Os quatro dias de demora para a ajuda chegar ao centro de
Nova Orleans expuseram o
descaso de autoridades de Wa-
shington com pessoas pobres
no sul do país. Quando as águas
começaram a baixar em Blumenau, a ferida foi outra: o improviso da emergência.
A cidade catarinense, que recebe anualmente milhares de
turistas na Oktoberfest, não
possui hospital público, somente três filantrópicos mantidos por fundações religiosas
-Santo Antônio, Santa Isabel e
Santa Catarina. Somente o primeiro atende pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que responde por 87% dos pacientes.
Mesmo este hospital não viu
filas. Os 1.300 flagelados atendidos desde domingo chegavam em ambulâncias, transportados dos escombros por
helicópteros e ambulâncias.
"Lamentavelmente, essa ocupação desordenada acontece
no país inteiro, as pessoas chegam, vão invadindo e depois dizem que não têm para onde ir",
reclamou o diretor do Santa
Catarina, Franklin Bloedorn.
Solidariedade
Lá como aqui a tragédia faz
nascer solidariedade de muitos. Em 2005, a texana Coleen
Eusterman gastou US$ 500 em
fraldas, comida de bebê e outros artigos. "Pensamos em
abrigar uma família, mas precisamos nos organizar. Por enquanto, fazemos doações e buscamos empregos", disse à reportagem da Folha à época.
Em Blumenau, Marcelo
Gruetztmachir, 33, disparou
112 mil e-mails para os clientes
de sua operadora de turismo
pedindo doações. Depois, passou o restante da semana levando comida, colchões, brinquedos, roupas e o que coubesse em sua van para a Vila Germânica, onde acontece a Oktoberfest. "Graças a Deus ninguém na minha família sofreu
nada, é quase obrigação ajudar
essas pessoas", disse, emocionado.
A passagem do Katrina e as
chuvas de Santa Catarina ensinam lições. Que os responsáveis, aqui, consigam aprender
como os de lá.
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