São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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ARTIGO

A tragédia prevista

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Diferentemente do que parece, a tragédia das enchentes em Santa Catarina era previsível e, portanto, poderia ter proporções muito menores.
O silêncio das comunidades e a incúria da administração pública (federal, estadual, municipal), nos três poderes, se somaram para o resultado estarrecedor em mortos, feridos e em danos materiais. O fenômeno destes dias não é estranho à vida catarinense. Dizem que foi o maior da história, o que não é de surpreender.
Em 12 de agosto de 1984, há mais de 24 anos, escrevi nesta Folha uma coluna de "Letras Jurídicas" sob o título "Crime que só a natureza pune". Comecei anotando seriedade crescente das conseqüências de fenômenos atmosféricos. Disse que "os desastres naturais se agravaram sem sensibilizarem a consciência universal em grau suficientemente forte para impedirem a continuidade do processo".
No caso catarinense, infelizmente, a constatação foi correta, o que me deixa mais triste. Reproduzo entre aspas, na íntegra, a anotação de 1984, com o exemplo daquele Estado, se escrever que "me serve, por agora, quando novas enchentes engasgam a incompetência federal. Não tendo sabido resguardar suas florestas e suas madeiras, não tendo preservado seus mananciais, tendo concentrado centros urbanos junto ao rio Itajaí, o homem catarinense (como o de outros Estados) paga um preço dramático, pela segunda vez em 12 meses".
Fixei-me no exemplo do Itajaí, que "sempre foi um rio de grandes cheias. Conheço-o há mais de 30 anos em dezenas de viagens ao Estado de Santa Catarina, cuja simpatia é ilimitada. Porém, os resultados atuais são muito mais graves que no passado. A ocupação do solo foi feita ao sabor das imediatas conveniências econômicas, relacionadas com o crescimento industrial. Outra conseqüência do chamado "progresso" foi o desmatamento, a desproteção das margens. Enfim, a destruição da natureza, que, em São Paulo, é muito mais grave".
Fecho as aspas aqui para reconhecer que, na cidade de São Paulo, as providências adotadas para as enchentes do rio Tietê foram longas, caras e estão produzindo bons resultados, embora seja certo que a manutenção da limpeza do rio não possa parar, jamais.
A natureza com seus fenômenos mais violentos tende a punir até mesmo os que cuidaram de remediar a geração de conseqüências sérias. A força natural, em certos momentos, pode ultrapassar todas as cautelas do ser humano, agindo individual ou coletivamente. Quando não houver cautela ou for insuficiente o sofrimento, pode atingir as condições dantescas hoje observadas na terra catarinense.
O fecho dado ao meu comentário publicado em 1984 pode ser novamente repetido sem qualquer alteração e, por isso, entre aspas. "O Direito dos homens não pune suficientemente o crime contra o ambiente. A natureza pune. Sem piedade ela cobra seu preço. Mas, a um prazo muito longo. Só as futuras gerações vão conferir o saldo."


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