São Paulo, terça-feira, 30 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

JAIRO MARQUES

O olhar do outro


Com o tempo, a gente consegue decodificar esse olhar [compadecido] em segundos e é chato, chato

É "DI CERTEZA", como diz um velho amigo meu, que o que mais aporrinha nessa história de viver montado numa cadeira de rodas nem é a falta de rampas, os banheiros estreitos, a falta de sinalização em braile, pois tudo isso, martelando firme, o tempo há de trazer.
Mas aqueles olhares que parecem dizer "Quem botou essa pessoa aqui? O que eu faço com isso? Ele fugiu do hospital?", esses sim enchem o saco e machucam o coraçãozinho do povo mal-acabado das pernas, dos braços, dos olhos, dos ouvidos e da maquinaria em geral.
Certa vez, eu aguardava para fazer uma entrevista na antessala do gabinete de um ex-governador e manobrista de peixeira, quando o homem surgiu e me fuzilou com um olhar daqueles bem distantes do lirismo da famosa poesia do Vinicius de Moraes. "Manda esse menino para a Assistência Social, o que ele veio fazer aqui?", disse o então mandatário para um assessor.
Ter algum tipo de deficiência é conviver quase o tempo todo com uma roupa de palhaço de circo de pobre -sem nenhum glamour, mas que resolve. Claro que, como prega aquele lugar-comum, "tudo que é diferente chama a atenção", mas acontece que o olhar que nos dirigem é carregado de significados além da curiosidade pura e simples.
Também não estou tratando daqueles "oooolha, mãe", disparados pela criançada no shopping ou na rua quando veem um cadeirante. Aqueles que os pais, mais do que depressa, tentam erroneamente disfarçar ou punir. Nesses casos, o que constrói um novo pensamento é mostrar pra molecada que existem pessoas com características físicas ou sensoriais diversas no mundo.
Falo do olhar compadecido, de incômodo, de estorvo, de café com leite para tudo e para qualquer coisa, de incapaz. Com o tempo, a gente consegue decodificar esse olhar em segundos e é chato, chato.
Imagino, com certa convicção, que os autores desses olhares não saibam que, na maioria das vezes, conseguimos "ouvir" suas intenções com clareza, afinal, podem ser anos de prática. E também imagino que podem não saber que uma pessoa com deficiência pode ter uma vida absolutamente comum, com apenas algumas adaptações.
No sábado, um dos mais importantes movimentos pela inclusão no país, o "Superação", vai agitar suas bandeiras por mais acessibilidade, a partir das 11h, em uma passeata que sairá da praça da República, no centro de São Paulo.
Tomara que os olhares lançados sobre o povo que não anda -ou que anda meio atrapalhado-, que puxa cachorro-guia -ou que é guiado por uma bengala-, sejam de incentivo pela participação no ato, sejam de solidariedade na batalha por um mundo mais acessível, sejam de aprovação para a "teimosia" de querermos ser iguais.
Lá no blog, está rolando um concurso cultural "maraviwonderful" que vai premiar com uma "handbike" (uma bicicleta que é pedalada com as mãos!) o leitor que for mais criativo. Aí é que vão olhar mesmo esse povo abatido pela guerra!
O lance é inventar uma resposta para a pergunta que está detalhada lá no "Assim como Você", que pode ser dada com uma frase, um vídeo, um desenho, uma ilustração. As inscrições vão até o dia 15 de dezembro.

assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br

jairo.marques@grupofolha.com.br



Texto Anterior: + Rio
Próximo Texto: A cidade é sua
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.