|
Próximo Texto | Índice
AULA ANTIPRECONCEITO
Curso deverá ser dado na USP Leste, de onde duas garotas foram levadas à delegacia porque se beijaram
PM quer aprender com gays a lidar com gays
LUÍSA BRITO
ALENCAR IZIDORO
RICARDO GALLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Com auxílio de um transexual e
de um bissexual, a Polícia Militar
planeja para fevereiro um curso
inédito, de dois dias, destinado a
cem policiais militares da zona
leste da cidade, para capacitar os
integrantes da corporação a lidar
com gays, lésbicas e travestis.
O curso, que ainda depende de
aprovação do comando da PM,
está em fase de articulação pelo 2º
Batalhão de Policiamento Metropolitano da Capital. As aulas estão
previstas para ocorrer nos dias 9 e
10 de fevereiro na USP Leste, onde, em setembro, duas universitárias foram levadas à delegacia por
uma PM porque se beijavam.
Para a policial, as alunas cometeram um ato obsceno. As jovens
disseram que apenas trocaram
um beijo, "um selinho". O casal
foi levado à delegacia. Agora, o caso está na Secretaria da Justiça.
Os policiais que assistirem ao
curso, com oito horas diárias, terão aulas sobre direitos humanos
e a necessidade de prestar atendimento correto às minorias. Devem participar, ainda, de uma peça nos moldes do Teatro do Oprimido, técnica criada por Augusto
Boal, que pretende ilustrar como
se sentem os homossexuais discriminados. "Sentimos que há a
necessidade de um conhecimento
mútuo [entre polícia e entidade
de defesa de minorias]. As pessoas têm de saber o papel da polícia na sociedade democrática",
disse o tenente-coronel Luiz
Eduardo Pesce de Arruda, comandante do 2º Batalhão da PM.
A preparação do evento começou a ser feita neste mês, em parceria com o Instituto Ser Humano, ONG de defesa da diversidade
sexual da zona leste -há a possibilidade de que outras entidades
também participem do curso.
Segundo o presidente da ONG,
Edson Azevedo, 42, a intenção é
dar informação aos policiais para
que eles saibam lidar com as minorias. "Orientação sexual não é
uma questão de escolha", diz Azevedo, que falará da lei estadual
10.948, de 2001, que pune a discriminação por orientação sexual
em locais públicos no Estado.
Além de Azevedo, a técnica química Fernanda de Moraes, 34,
transexual, falará sobre transexualidade e identificação de gênero (drag queens e transformistas,
por exemplo). "Tem muita gente
que pensa que ser travesti é safadeza, mas essas pessoas também
têm direitos", afirmou Moraes,
que foi prostituta por três anos até
virar evangélica, há dois.
Embora promova o curso na
USP Leste, o comandante evitou
associar o evento ao episódio do
beijo das universitárias. "Se eu
vincular a esse episódio da USP
vou ter dificuldade, porque é uma
espécie de reconhecimento de
que a policial agiu errado." Investigação interna da PM concluiu
que a policial procedeu corretamente.
Arruda evitou dizer se a policial
que abordou as namoradas da
USP Leste participará do evento.
"As indicações de quem participar serão feitas pelos capitães."
O 2º BPM tem cerca de 900 policiais e atua nos bairros da Penha,
Cangaíba, Ermelino Matarazzo e
São Miguel Paulista, onde moram
cerca de 900 mil pessoas.
Segundo ele, um dos benefícios
do curso será diminuir, entre os
policiais, a carga de preconceito
contra homossexuais. A área onde está a USP Leste, diz, tem população "bastante conservadora".
"A sociedade, de forma geral, é
preconceituosa. Você pode encontrar policiais preconceituosos
porque eles vêm da sociedade."
Ainda que reconheça preconceito entre seus comandados, Arruda afirmou não esperar resistência por parte deles. "A PM se
desenvolveu de maneira extraordinária, sofreu um salto de qualidade impressionante. Creio que o
pessoal vá receber bem a idéia."
Para a estudante Bárbara (nome
fictício), 22, abordada pela policial quando estava com a namorada na USP Leste, o curso aos
PMs é uma ação louvável: "Valeu
a pena a gente colocar a boca no
trombone. Agora, por mais que a
pessoa não goste, vai ter que aceitar". Segundo ela, o treinamento
deveria ter sido feito antes de a
policial começar a trabalhar com
a população. "Pelo menos vai servir para as próximas gerações."
Próximo Texto: Policial que abordou jovens foi inocentada Índice
|