São Paulo, sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

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AULA ANTIPRECONCEITO

Curso deverá ser dado na USP Leste, de onde duas garotas foram levadas à delegacia porque se beijaram

PM quer aprender com gays a lidar com gays

LUÍSA BRITO
ALENCAR IZIDORO
RICARDO GALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com auxílio de um transexual e de um bissexual, a Polícia Militar planeja para fevereiro um curso inédito, de dois dias, destinado a cem policiais militares da zona leste da cidade, para capacitar os integrantes da corporação a lidar com gays, lésbicas e travestis.
O curso, que ainda depende de aprovação do comando da PM, está em fase de articulação pelo 2º Batalhão de Policiamento Metropolitano da Capital. As aulas estão previstas para ocorrer nos dias 9 e 10 de fevereiro na USP Leste, onde, em setembro, duas universitárias foram levadas à delegacia por uma PM porque se beijavam.
Para a policial, as alunas cometeram um ato obsceno. As jovens disseram que apenas trocaram um beijo, "um selinho". O casal foi levado à delegacia. Agora, o caso está na Secretaria da Justiça.
Os policiais que assistirem ao curso, com oito horas diárias, terão aulas sobre direitos humanos e a necessidade de prestar atendimento correto às minorias. Devem participar, ainda, de uma peça nos moldes do Teatro do Oprimido, técnica criada por Augusto Boal, que pretende ilustrar como se sentem os homossexuais discriminados. "Sentimos que há a necessidade de um conhecimento mútuo [entre polícia e entidade de defesa de minorias]. As pessoas têm de saber o papel da polícia na sociedade democrática", disse o tenente-coronel Luiz Eduardo Pesce de Arruda, comandante do 2º Batalhão da PM.
A preparação do evento começou a ser feita neste mês, em parceria com o Instituto Ser Humano, ONG de defesa da diversidade sexual da zona leste -há a possibilidade de que outras entidades também participem do curso.
Segundo o presidente da ONG, Edson Azevedo, 42, a intenção é dar informação aos policiais para que eles saibam lidar com as minorias. "Orientação sexual não é uma questão de escolha", diz Azevedo, que falará da lei estadual 10.948, de 2001, que pune a discriminação por orientação sexual em locais públicos no Estado.
Além de Azevedo, a técnica química Fernanda de Moraes, 34, transexual, falará sobre transexualidade e identificação de gênero (drag queens e transformistas, por exemplo). "Tem muita gente que pensa que ser travesti é safadeza, mas essas pessoas também têm direitos", afirmou Moraes, que foi prostituta por três anos até virar evangélica, há dois.
Embora promova o curso na USP Leste, o comandante evitou associar o evento ao episódio do beijo das universitárias. "Se eu vincular a esse episódio da USP vou ter dificuldade, porque é uma espécie de reconhecimento de que a policial agiu errado." Investigação interna da PM concluiu que a policial procedeu corretamente.
Arruda evitou dizer se a policial que abordou as namoradas da USP Leste participará do evento. "As indicações de quem participar serão feitas pelos capitães."
O 2º BPM tem cerca de 900 policiais e atua nos bairros da Penha, Cangaíba, Ermelino Matarazzo e São Miguel Paulista, onde moram cerca de 900 mil pessoas.
Segundo ele, um dos benefícios do curso será diminuir, entre os policiais, a carga de preconceito contra homossexuais. A área onde está a USP Leste, diz, tem população "bastante conservadora". "A sociedade, de forma geral, é preconceituosa. Você pode encontrar policiais preconceituosos porque eles vêm da sociedade."
Ainda que reconheça preconceito entre seus comandados, Arruda afirmou não esperar resistência por parte deles. "A PM se desenvolveu de maneira extraordinária, sofreu um salto de qualidade impressionante. Creio que o pessoal vá receber bem a idéia."
Para a estudante Bárbara (nome fictício), 22, abordada pela policial quando estava com a namorada na USP Leste, o curso aos PMs é uma ação louvável: "Valeu a pena a gente colocar a boca no trombone. Agora, por mais que a pessoa não goste, vai ter que aceitar". Segundo ela, o treinamento deveria ter sido feito antes de a policial começar a trabalhar com a população. "Pelo menos vai servir para as próximas gerações."


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