São Paulo, quarta-feira, 31 de janeiro de 2001

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VIOLÊNCIA

Apavoradas, mulheres que praticaram furto em hipermercado e denunciaram castigo de traficantes querem deixar o Rio

"O tráfico caça até no inferno", diz ameaçada

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Andréa Cristina dos Santos, 30, não consegue explicar como conseguiu fugir dos seguranças do Carrefour de Jacarepaguá (zona oeste do Rio) para pedir socorro e salvar a vida de sua amiga Geni Ribeiro Barbosa, 27. Teme a vingança dos traficantes chamados por vigilantes da empresa para puní-las pelo furto de oito frascos de protetor solar.
"O tráfico é uma máfia e a máfia te caça até no inferno", disse Andréa em entrevista ontem à tarde à Folha.
Ela e Geni são moradoras de uma das favelas que cercam o bairro da Pavuna (zona norte). Dividem um barraco de madeira.
Ambas, apavoradas, querem sair do Rio, mas não sabem como farão. Evitam a qualquer custo o contato com jornalistas e fogem de fotógrafos.
No último sábado, foram protagonistas de um caso que revela a crise de autoridade do Estado brasileiro. Pegas em flagrante furtando produtos do hipermercado, foram levadas, a mando do gerente da loja, para uma sala. Os seguranças, segundo o relato das amigas à polícia, em vez de procurarem a polícia, chamaram os "donos da favela" Cidade de Deus para castigá-las pelo crime.
Armados, os traficantes, liderados por um tal de Quinha, teriam levado Geni para a favela e ameaçado espancá-la com pedaços de paus e queimá-la com pneus.
Um dos membros do bando voltou ao Carrefour, segundo Andréa, para levá-la ao encontro de Geni. Foi nesse momento, que ela conseguiu escapar e sair gritando em busca de socorro.
As cenas de sequestro, cárcere privado e tortura promovidas por funcionários do Carrefour e bandidos duraram duas horas.
O advogado das duas mulheres, que se identifica apenas como Luiz, concorda com Andréa em relação aos traficantes. "Pobre é defunto barato. Não quero complicar a vida de ninguém", disse.
Até o final da tarde de ontem, nenhuma autoridade havia oferecido proteção policial para as duas desempregadas.

Folha - Como você e sua amiga Geni estão vivendo?
Andréa Cristina dos Santos
- Estamos com muito medo. Estou na casa de uma amiga porque temo que me procurem. Geni não sai de casa e não fala com ninguém.

Folha - O que realmente aconteceu no sábado à tarde?
Andréa
- Não quero dar de coitadinha e dizer que eu não fiz nada, mas tenho medo de contar o que eles fizeram. Nós mexemos com o tráfico. O tráfico é uma máfia, e a máfia te caça até no inferno.

Folha - O que vocês pretendem fazer agora?
Andréa
- Não temos dinheiro. Tentamos ir para fora do Rio.

Folha - Vocês foram informadas que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara vai pedir à Secretaria de Segurança Pública proteção policial para vocês duas?
Andréa
- Seria ótimo. Falaria mais se houvessem políticos me protegendo. O que eles fizeram com a minha amiga pode não ser a única punição. Por isso meu advogado mandou eu ficar calada.



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