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LETRAS JURÍDICAS
Legislativo e Judiciário: trabalho mais eficiência
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Há certos bordões do
nosso linguajar tendentes
a desprestigiar qualidades e capacidades do trabalhador brasileiro.
Um desses bordões consiste em
afirmar uma certa indisposição
com o trabalho diário. Até se diz
que nosso ano só começa depois
do Carnaval e termina um pouco
antes do Natal, sendo inútil qualquer esforço pela eficiência fora
desse período.
Dois grupos profissionais parecem dar razão à versão popular.
Ambos, aliás, estão na Constituição, sempre lembrados neste momento do ano, pois o Judiciário,
nos tribunais, e o Legislativo (em
cada legislatura nos vários níveis
de governo) iniciam em 1º de fevereiro seu período anual de atividade, salvo nas convocações extraordinárias do Congresso. Em
países de maior tradição democrática, é constante o exemplo de
longos períodos de férias para os
dois Poderes, o que não serve de
consolo para quem é limitado a
20 ou 30 dias de férias anuais.
Vejamos a realidade do Legislativo. O Congresso Nacional deve
reunir-se anualmente de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de
agosto a 15 de dezembro (artigo
57 da Constituição), ou seja, em
bruto, 272 dias por ano. São conhecidas as sessões extraordinárias, nas quais senadores e deputados reforçam seus orçamentos
sob a desculpa de atualizarem a
pauta, com maus efeitos, vistos
nesta semana. Elas, pela constância, demonstram que as férias são
excessivas. Negando a ineficácia,
os parlamentares poderiam dizer
que aprovaram 206 leis durante
2003. O dado, porém, seria falso
por não ser completo. Entre 1º de
novembro e 15 de dezembro, o
Congresso aprovou 87 leis sob
pressão do Executivo e sem o necessário cuidado na avaliação.
Até novembro havia aprovado,
sem a mesma pressão do governo
e com um quarto de produtividade, 119 leis para 227 dias de
trabalho.
Passemos aos magistrados. Têm
direito a férias anuais de 60 dias,
coletivas ou individuais (artigo 66
da Lei Orgânica da Magistratura). As férias dos membros dos tribunais (salvo os do Trabalho, que
têm férias individuais) são coletivas entre 2 e 31 de janeiro e de 2 a
31 de julho, assim como as dos juízes de primeiro grau, segundo a
lei respectiva. Todavia, como regra, os serviços são suspensos durante a Semana Santa, no todo ou
em parte. Variando de Estado para Estado ou entre as regiões, os
serviços forenses param entre 20
de dezembro e 2 de janeiro na forma da lei local.
Os dois Poderes dão suas explicações para suas longas férias,
mas a folga é incompatível com a
produtividade. A pergunta cabível não é saber se isso deve acabar, mas se, com a mudança de
regime, a produtividade melhorará. Idealmente, a resposta seria
positiva, mas pode não ser boa na
prática, ainda que se espere sempre mais tempo de trabalho dos
legisladores e magistrados enquanto agentes públicos. Muitos
deles conhecem sua exposição a
críticas a seus descansos, horários,
férias e faltas permitidas, diferentemente dos aplicados à massa
trabalhadora em geral, o que acaba punindo injustamente parlamentares e juízes que trabalham
muito. Melhor seria criar padrões
de efetividade nos dois Poderes, os
quais teriam de ser claros, transparentes, de modo que a sociedade pudesse avaliar o resultado do
serviço prestado. A eficiência,
mesmo esquecendo sua imposição constitucional (artigo 37),
tem intimidade com a preservação do equilíbrio dos Poderes e
com a democracia, até porque, no
Executivo, a máquina da propaganda disfarça suas falhas, possibilidade com a qual não contam
nem o Judiciário nem o
Legislativo.
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