São Paulo, sábado, 31 de janeiro de 2004

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LETRAS JURÍDICAS

Legislativo e Judiciário: trabalho mais eficiência

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Há certos bordões do nosso linguajar tendentes a desprestigiar qualidades e capacidades do trabalhador brasileiro. Um desses bordões consiste em afirmar uma certa indisposição com o trabalho diário. Até se diz que nosso ano só começa depois do Carnaval e termina um pouco antes do Natal, sendo inútil qualquer esforço pela eficiência fora desse período.
Dois grupos profissionais parecem dar razão à versão popular. Ambos, aliás, estão na Constituição, sempre lembrados neste momento do ano, pois o Judiciário, nos tribunais, e o Legislativo (em cada legislatura nos vários níveis de governo) iniciam em 1º de fevereiro seu período anual de atividade, salvo nas convocações extraordinárias do Congresso. Em países de maior tradição democrática, é constante o exemplo de longos períodos de férias para os dois Poderes, o que não serve de consolo para quem é limitado a 20 ou 30 dias de férias anuais.
Vejamos a realidade do Legislativo. O Congresso Nacional deve reunir-se anualmente de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro (artigo 57 da Constituição), ou seja, em bruto, 272 dias por ano. São conhecidas as sessões extraordinárias, nas quais senadores e deputados reforçam seus orçamentos sob a desculpa de atualizarem a pauta, com maus efeitos, vistos nesta semana. Elas, pela constância, demonstram que as férias são excessivas. Negando a ineficácia, os parlamentares poderiam dizer que aprovaram 206 leis durante 2003. O dado, porém, seria falso por não ser completo. Entre 1º de novembro e 15 de dezembro, o Congresso aprovou 87 leis sob pressão do Executivo e sem o necessário cuidado na avaliação. Até novembro havia aprovado, sem a mesma pressão do governo e com um quarto de produtividade, 119 leis para 227 dias de trabalho.
Passemos aos magistrados. Têm direito a férias anuais de 60 dias, coletivas ou individuais (artigo 66 da Lei Orgânica da Magistratura). As férias dos membros dos tribunais (salvo os do Trabalho, que têm férias individuais) são coletivas entre 2 e 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho, assim como as dos juízes de primeiro grau, segundo a lei respectiva. Todavia, como regra, os serviços são suspensos durante a Semana Santa, no todo ou em parte. Variando de Estado para Estado ou entre as regiões, os serviços forenses param entre 20 de dezembro e 2 de janeiro na forma da lei local.
Os dois Poderes dão suas explicações para suas longas férias, mas a folga é incompatível com a produtividade. A pergunta cabível não é saber se isso deve acabar, mas se, com a mudança de regime, a produtividade melhorará. Idealmente, a resposta seria positiva, mas pode não ser boa na prática, ainda que se espere sempre mais tempo de trabalho dos legisladores e magistrados enquanto agentes públicos. Muitos deles conhecem sua exposição a críticas a seus descansos, horários, férias e faltas permitidas, diferentemente dos aplicados à massa trabalhadora em geral, o que acaba punindo injustamente parlamentares e juízes que trabalham muito. Melhor seria criar padrões de efetividade nos dois Poderes, os quais teriam de ser claros, transparentes, de modo que a sociedade pudesse avaliar o resultado do serviço prestado. A eficiência, mesmo esquecendo sua imposição constitucional (artigo 37), tem intimidade com a preservação do equilíbrio dos Poderes e com a democracia, até porque, no Executivo, a máquina da propaganda disfarça suas falhas, possibilidade com a qual não contam nem o Judiciário nem o Legislativo.


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