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PASQUALE CIPRO NETO
"Beckham usa foto de esposa na camiseta"
"Junto às designações de partes do corpo e nomes de parentesco, os artigos denotam a posse"
ESTAVA NA "CAPA" DE UM SITE, na
última terça: "Beckham visita
o Brasil e usa foto de esposa
na camiseta". A frase ficou um bom
tempo no ar. Alguém notou a impropriedade e trocou "esposa" por "Victoria" (a lady Beckham), mas suprimiu o artigo que precede "Brasil".
E qual é a impropriedade? Há
duas. A primeira está em "usa foto
na camiseta" (o que se usa é a camiseta). A segunda está no uso de "de"
em vez de "da" antes de "esposa".
Para ir aos porquês dessa história,
convém fazer algumas observações
sobre o uso dos artigos definidos nos
títulos jornalísticos. Como o leitor
certamente sabe, os artigos definidos não iniciam os títulos (às vezes,
aparecem no interior deles), o que
ocorre há pelo menos bons 20 anos.
Na memorável exposição de algumas das capas históricas da Folha,
que saúda quem chega à Redação
do jornal, vê-se este título, da edição de 18 de julho de 1934: "O governo norte-americano mostra-se
preoccupado com o movimento..."
("preoccupado" mesmo, com "cc").
Na edição de 23 de agosto de
1942, vê-se estoutro: "O Brasil, em
face dos atentados contra sua soberania, reconhece o Estado de Guerra com a Itália...". Note que no primeiro título há artigo antes de "governo" ("O governo norte-americano"); no segundo, antes de "Brasil". Hoje, esses títulos não ocorreriam. O primeiro certamente começaria com "governo"; o segundo,
com "Brasil". Destaquem-se também o léxico e a ordem do segundo
título (a expressão "em face dos
atentados" jamais constaria de um
título de hoje; o sujeito a quilômetros do verbo, também não).
A abolição do artigo definido no
início (e muitas vezes no interior)
dos títulos teve como base a tentativa de manchetar a notícia, dando-lhe aspecto mais neutro ou impessoal. Até aí, tudo bem. Acostumamo-nos tanto a isso que já lemos
com naturalidade manchetes como "Forças Armadas alugam..." (da
Folha da última segunda). Há um
quarto de século, esse título certamente começaria com o artigo ("As
Forças Armadas alugam...").
O problema é que, iniciado o título -sempre sem artigo-, passa-se a um salve-se-quem-puder, ou
seja, o artigo (des)aparece de acordo com a conveniência (preencher
o espaço, sem sobra, sem branco).
Essa "alternância" no uso do artigo acaba por desnortear alguns
redatores, que às vezes o suprimem equivocadamente. É esse o
caso do título da internet ("... e usa
camiseta de esposa"). O mundo sabe que o jogador inglês é casado
com Victoria, o que impõe o uso do
artigo definido ("...camiseta com
foto da esposa"). Como diz o eminente Professor Evanildo Bechara,
em sua "Moderna Gramática Portuguesa", "junto às designações de
partes do corpo e nomes de parentesco, os artigos denotam a posse".
A materialização do que diz Bechara se vê, por exemplo, em "Ele
quebrou o braço" ou em "Ela exibia
com orgulho a foto da filha". A (artificial) ausência do artigo na frase
sobre Beckham pode criar efeitos
estranhos. Parece que "esposa" é
um ser não particularizado. O caso
lembra algo semelhante ao que se
vê, por exemplo, em "camiseta com
foto de gente" (ou "de bicho" etc.).
Estarei em férias por duas semanas. A coluna volta em 21/2. É isso.
inculta@uol.com.br
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