São Paulo, quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

"Beckham usa foto de esposa na camiseta"

"Junto às designações de partes do corpo e nomes de parentesco, os artigos denotam a posse"

ESTAVA NA "CAPA" DE UM SITE, na última terça: "Beckham visita o Brasil e usa foto de esposa na camiseta". A frase ficou um bom tempo no ar. Alguém notou a impropriedade e trocou "esposa" por "Victoria" (a lady Beckham), mas suprimiu o artigo que precede "Brasil".
E qual é a impropriedade? Há duas. A primeira está em "usa foto na camiseta" (o que se usa é a camiseta). A segunda está no uso de "de" em vez de "da" antes de "esposa".
Para ir aos porquês dessa história, convém fazer algumas observações sobre o uso dos artigos definidos nos títulos jornalísticos. Como o leitor certamente sabe, os artigos definidos não iniciam os títulos (às vezes, aparecem no interior deles), o que ocorre há pelo menos bons 20 anos.
Na memorável exposição de algumas das capas históricas da Folha, que saúda quem chega à Redação do jornal, vê-se este título, da edição de 18 de julho de 1934: "O governo norte-americano mostra-se preoccupado com o movimento..." ("preoccupado" mesmo, com "cc").
Na edição de 23 de agosto de 1942, vê-se estoutro: "O Brasil, em face dos atentados contra sua soberania, reconhece o Estado de Guerra com a Itália...". Note que no primeiro título há artigo antes de "governo" ("O governo norte-americano"); no segundo, antes de "Brasil". Hoje, esses títulos não ocorreriam. O primeiro certamente começaria com "governo"; o segundo, com "Brasil". Destaquem-se também o léxico e a ordem do segundo título (a expressão "em face dos atentados" jamais constaria de um título de hoje; o sujeito a quilômetros do verbo, também não).
A abolição do artigo definido no início (e muitas vezes no interior) dos títulos teve como base a tentativa de manchetar a notícia, dando-lhe aspecto mais neutro ou impessoal. Até aí, tudo bem. Acostumamo-nos tanto a isso que já lemos com naturalidade manchetes como "Forças Armadas alugam..." (da Folha da última segunda). Há um quarto de século, esse título certamente começaria com o artigo ("As Forças Armadas alugam...").
O problema é que, iniciado o título -sempre sem artigo-, passa-se a um salve-se-quem-puder, ou seja, o artigo (des)aparece de acordo com a conveniência (preencher o espaço, sem sobra, sem branco). Essa "alternância" no uso do artigo acaba por desnortear alguns redatores, que às vezes o suprimem equivocadamente. É esse o caso do título da internet ("... e usa camiseta de esposa"). O mundo sabe que o jogador inglês é casado com Victoria, o que impõe o uso do artigo definido ("...camiseta com foto da esposa"). Como diz o eminente Professor Evanildo Bechara, em sua "Moderna Gramática Portuguesa", "junto às designações de partes do corpo e nomes de parentesco, os artigos denotam a posse".
A materialização do que diz Bechara se vê, por exemplo, em "Ele quebrou o braço" ou em "Ela exibia com orgulho a foto da filha". A (artificial) ausência do artigo na frase sobre Beckham pode criar efeitos estranhos. Parece que "esposa" é um ser não particularizado. O caso lembra algo semelhante ao que se vê, por exemplo, em "camiseta com foto de gente" (ou "de bicho" etc.).
Estarei em férias por duas semanas. A coluna volta em 21/2. É isso.


inculta@uol.com.br

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