São Paulo, domingo, 31 de março de 2002

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FAMÍLIA ARCO-ÍRIS

Especialistas afirmam que ainda não há estudos sobre convivência entre crianças e famílias homossexuais

Efeito da adoção gay ainda é desconhecido

Katia Lombardi/Folha Imagem
O transexual Loirinho que 'adotou' a menina Yasmim, de três anos, filha do companheiro Índio


DA REPORTAGEM LOCAL

Uma das questões que se levanta na adoção ou guarda de crianças por homossexuais é a qualidade dessa convivência. A imagem de um menino vendo o pai beijando um outro homem certamente não será avalizada por educadores, sexólogos e juízes.
A imagem é preconceituosa, mas esse imaginário é levado em consideração por muita gente quando se fala em casais gays.
Em Fortaleza, há dois anos, um juiz impediu que uma das "mães" visse a criança adotada depois que o casal se separou. Alegava que esse tipo de relacionamento não era saudável para a criança.
Segundo advogados, não são raros os casos de mães que entram na Justiça para impedir que o ex-marido, que passou para um casamento gay, veja os filhos do casal, alegando que não fará bem à criança ver o pai com outro homem. Para os especialistas, são poucos os estudos sobre adoção e mais raros ainda os que tratam da adoção por homossexuais.
Alexandre Saadeh, 41, psiquiatra do Pro-Sex, Projeto Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, diz que "ainda não está claro se a orientação sexual é determinada pelas figuras parentais ou se é uma condição biológica".
Saadeh coordena os grupos de transexuais dentro do Pro-Sex. Segundo ele, "a capacidade de maternagem e paternagem é mais forte que a figura sexual".
A psiquiatra Lee Fui, 41, mãe de um filho, diz que "a opção sexual de quem adota não interfere tanto na formação da criança adotada, embora faltem estudos a respeito". Lee é supervisora do serviço de psiquiatria infantil do Instituto de Psiquiatria do HC e autora de uma tese sobre problemas psiquiátricos em crianças adotivas.
Os especialistas concordam, no entanto, que a adoção por homossexuais dependerá muito da forma como a relação é conduzida. Uma questão que não pode ser ignorada é o preconceito que pode sofrer a criança: um menino, adotado por um casal homossexual, poderá ouvir na escola que seus pais "são bichas".
Há o outro lado. A desembargadora Maria Berenice Dias, do TJ gaúcho, cita pesquisa no Brasil apontando que 12% das meninas são molestadas sexualmente na família, pelo próprio pai ou padrasto. "Nas famílias homossexuais não existe isso", afirma.
Beto de Jesus, 39, educador e presidente da Associação Parada do Orgulho GLBT, diz que pesquisas norte-americanas comprovam que crianças criadas por casais homossexuais são mais tolerantes. "Elas respeitam mais a diversidade", afirma.
Cláudio Nascimento, presidente do Grupo Arco-Íris, diz que a preocupação com a "herança sexual" já foi derrubada por especialistas. "A orientação sexual não é hereditária nem adquirível no convívio familiar." Nascimento diz que vem de uma família de 13 irmãos onde ele é o único gay.
Os homossexuais também tenderiam a aceitar crianças que normalmente têm mais dificuldade em serem adotadas.
Ana Elisa Lolli, advogada da subcomissão de orientação sexual da Ordem dos Advogados do Brasil, confirma que é comum homossexuais adotarem crianças que ninguém quer. Ana lembra também que o número de gays que adotam vem aumentando porque estão assumindo mais cedo a condição de homossexual, o que faz com que um número menor deles tenha filhos biológicos.
"A maternidade e a paternidade são direitos de todos", diz a historiadora Marisa Fernandes, uma das coordenadoras do Coletivo de Lésbicas Feministas. O coletivo reivindica, entre outros direitos, o acesso à fertilização assistida na rede pública por casais de lésbicas que querem ter filhos.
Em 1997, a revista "Um Outro Olhar", dirigida a lésbicas, dedicava sua manchete à pergunta "Homossexuais podem adotar filhos?". A resposta deveria ser enviada ao e-mail uoo@uol.com.br. "Desde então, o tema não saiu mais de nossas edições", diz a coordenadora Luiza Granado. (AURELIANO BIANCARELLI)

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