São Paulo, sábado, 31 de março de 2007

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Em 2 semanas, sem-teto erguem favela

Cerca de 3.500 barracos foram construídos em área na Grande SP que seria destinada a um campo de golpe de 18 buracos

Eles invadiram a área no último dia 17, mas uma liminar da Justiça garante a reintegração de posse aos proprietários do terreno


MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICA

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Era uma vez um condomínio de luxo equipado com campo de golfe de 18 buracos. Tinha o clima friozinho da serra, como convém ao esporte nascido na Escócia por volta de 1.400. Quando compraram de um frigorífico falido o terreno de 1,3 milhão de metros quadrados em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, o grupo de empresários vislumbrava o cenário de um gramado bem cuidado, percorrido em carrinhos elétricos por homens em trajes brancos. Virou um favelão.
Iraci Felismino da Silva, 52, é uma entre as 10 mil pessoas que, desde o último dia 17, invadiram o quase campo de golfe, construindo nele, com bambus, sarrafos e grandes pedaços de plástico, uma cidade de ruelas e 3.500 barracos.
"Eu não queria vir. Porque [o terreno] não é nosso, filha. Só estou aqui porque faz um ano que não consigo pagar o aluguel da casa onde moro. É R$ 150, mas não tenho, não adianta."
Doente, osteoporose em estado avançado, um filho de 11 anos, Iraci é catadora de papelão. Os médicos já lhe disseram que a função é incompatível com a situação de seus ossos, que ela tem de parar.
O MTST, que organizou a invasão, conseguiu doações de alimentos com a igreja e comerciantes locais. Quem pode, traz alguma coisa. O pessoal foi dividido em grupos e organiza coletivamente a disciplina, a comida, a demarcação dos barracos, a higiene. Há três dias, construíram-se banheiros coletivos. Mas ainda não há água potável, que é trazida de fora.
As lideranças do acampamento estimam que 85% dos invasores do terreno sejam pessoas que moram na própria região. Os 15% restantes seriam de outras áreas da cidade.
Segundo o MTST, a área invadida é um "latifúndio urbano improdutivo", porque está há 13 anos sem uso -desde que foi comprado pelos investidores de golfe. A vizinhança diz que, nesse período, o terreno foi usado para a "desova" de cadáveres e de carcaças de carros roubados para desmanche.

Aeroporto
Os donos do terreno rejeitam a tese da "improdutividade". Por intermédio do advogado Flávio Augusto Cicivizzo Duarte Garcia, dizem que mantêm vacas no local produzindo leite. "Tem até um administrador que cuida delas", afirma Garcia. Quantas vacas? "Ah, isso eu não tenho a menor idéia."
Segundo Garcia, há nove anos, os proprietários do terreno desistiram do campo de golfe. "A vizinhança degradada não era adequada ao empreendimento de luxo que pretendíamos", diz. Surgiu, então, a idéia de construir um condomínio popular, com casinhas modestas. Mas ainda não prosperou.
Outra proposta é construir em parceria com os governos estadual e federal um "aeroporto alternativo para os já saturados Congonhas e Guarulhos". "Ainda está em estudos", diz.
O valor do imóvel? O advogado explica que "depende". "Se o trecho Sul do Rodoanel passar pelo terreno, ele se valoriza. Se não, é outra história. Como está, vale R$ 20 milhões." "Mas não queremos vendê-lo."

Heróis
O "know-how" do MTST é o mesmo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), de onde o grupo dos sem-teto nasceu há 10 anos. O acampamento de Itapecerica é a 10ª ação do grupo.
Todas as invasões do MTST homenageiam algum herói da esquerda brasileira e mundial. O terreno de Itapecerica foi batizado de João Cândido, líder da Revolta da Chibata, de 1910.
"Bolivarianos" (ligados ao presidente Hugo Chávez), apoiadores de Cuba e da Central Operária Boliviana foram levar solidariedade à invasão.


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