São Paulo, segunda-feira, 31 de maio de 2010

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MOACYR SCLIAR

Futebol e testosterona


Fredinho tinha duas paixões: seu time e Joana. De repente a tragédia, teve que jogar pela equipe rival

Os pesquisadores britânicos Sandy Wolfson e Nick Neave analisaram até que ponto os hormônios secretados pelos jogadores que atuam no próprio estádio favorecem a equipe da casa. Medindo os níveis de testosterona dos jogadores que atuam em casa e dos visitantes, Wolfson e Neave concluíram que os níveis de hormônio se elevam mais nos jogadores que competem no próprio estádio.
Folha.com

ALFREDO, o Fredinho, tinha duas grandes paixões na vida: o pequeno time interiorano pelo qual torcia desde criança -no qual fizera carreira como jogador, tornando-se um respeitado centroavante- e a sua mulher, chamada Joana. Um bom time e um bom casamento fazem a felicidade de qualquer homem, era o que proclamava. E a verdade é que acreditava sinceramente em suas palavras.
De repente, a tragédia. Um empresário da cidade assumiu a presidência do time. Era um homem voluntarioso, autoritário, que tinha suas preferências e suas implicâncias. E entre as implicâncias estava o Fredinho. Achava que, aos 35 anos, o jogador estava em final de carreira e deveria ser substituído.
De nada adiantaram os apelos de torcedores e de outros membros da diretoria. Quando eu decido, está decidido, disse o arrogante presidente, e o contrato de Fredinho foi rescindido.
Para o jogador foi um golpe tão inesperado quanto arrasador. Ele jamais pensara naquela sombria possibilidade e, simplesmente, não sabia o que fazer. Felizmente o desamparo não durou muito tempo; uma semana depois foi contratado por um time rival e voltou a jogar.
Mas já não era a mesma coisa. O seu novo time era muito bom, o presidente e o técnico tratavam-no de maneira amistosa e gentil, os outros jogadores respeitavam-no e até lhe pediam conselhos.
A verdade, porém, é que ele não se sentia em casa. O desânimo o invadia e disputar uma partida, coisa que antes fazia com a maior garra, agora parecia missão impossível.
E não era só no futebol que encontrava problemas. Na vida conjugal também começou a ter dificuldades. Seu desempenho na cama sempre fora impecável, mas agora simplesmente perdera a vontade.
Joana, mulher compreensiva, não lhe cobrava nada, mas certamente estava preocupada. Foi então que leu a notícia sobre o trabalho dos pesquisadores britânicos acerca da testosterona em jogadores de futebol. Mulher informada, inteligente, deu-se conta de que ali poderia estar a solução.
E estava. Por sugestão dela, Fredinho voltou a jogar no estádio de seu antigo time. Faz isso na calada da noite, com a cumplicidade do zelador, amigo de longa data. Sob a luz do luar, ele adentra o gramado, fardado e com a bola; corre pelo gramado, sozinho, como se estivesse numa partida de verdade, como se ouvisse a torcida aplaudindo-o. O que o emociona até as lágrimas. E acaba marcando um gol de placa.
Depois, volta para casa, onde Joana o espera. Testosterona lá em cima, eles de imediato vão para a cama. E aí é outro gol de placa.

MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal

moacyr.scliar@uol.com.br


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