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LETRAS JURÍDICAS
Limites de uso do embrião humano
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
D eixo claro para o leitor
meu entendimento segundo
o qual o embrião, formado em laboratório ou em clínica de reprodução assistida, não sendo aproveitado para fixação no corpo da
mulher, é apenas objeto descartável de experiência científica. Seu
destino sofre única restrição: depende da vontade das pessoas fornecedoras de material para sua
formação. Não é ser humano ou
projeto de ser humano, não tem
alma.
O embrião in vitro nem mesmo
é nascituro (aquele que, na linguagem legal, estando no ventre
materno, vai nascer). Só alcança
a dignidade da vida humana,
protegida pela lei, quando, transferido para o útero da mulher, fixar-se e iniciar o processo de desenvolvimento. Não antes. Por isso mesmo, tem utilização para
novas pesquisas ou pode ser simplesmente descartado.
Recente decisão judicial ilustra
a questão do uso do embrião e
das pessoas providas de legitimidade e de interesse jurídico com
capacidade para decidir sobre seu
destino. Deixo de lado as questões
jurídicas debatidas nos autos, que
envolvem dois jovens aos quais
darei os nomes fictícios de Rita e
José. Casaram-se. Quase um ano
depois, verificaram que o marido
era portador de doença incurável,
a qual terminou por levá-lo à
morte. Antes disso, concordaram
ambos que José deixasse amostras
congeladas de seu sêmen para futura fertilização de Rita.
Rita, viúva, fez inseminação artificial com seus próprios óvulos e
o sêmen do marido já morto em
clínica de reprodução assistida.
Engravidou, seguindo-se o parto
de uma menina, registrada pela
mãe como filha dela e de José. O
debate judicial seguiu outros rumos, mas o problema para o qual
chamo a atenção do leitor consiste na possibilidade da utilização
do sêmen ou do óvulo. O uso pode
ser homólogo (pelas próprias pessoas que deram origem ao sêmen
e ao óvulo) ou heterólogo (não
aproveitado por uma ou por ambas as pessoas que lhes deram
origem).
A preservação de embriões ou
de outros produtos orgânicos é
viabilizada na atualidade por períodos variáveis, como se dramatiza, especialmente, nos transplantes de órgãos. Essa preservação, para fins de reprodução assistida, parece razoável, e podem
até formar-se bancos de sêmen,
desde que não se destinem à comercialização. Formados, porém,
os embriões, em virtude da união
dos elementos masculino e feminino, sempre há duas possibilidades: não se destinem à inseminação artificial imediata, podendo
ficar disponíveis para terceiras
pessoas, ou destinem-se a um casal determinado, mas seu número
seja excessivo, ultrapassando os
limites admitidos pela ciência e
pelos regulamentos administrativos para implantação.
A jurisprudência brasileira tem
aceitado, sem grandes variações,
a possibilidade da reprodução assistida e, por outro lado, não tem
nenhuma decisão a respeito da
utilização do excesso de embriões,
limitando-a ou lhe dando plena
liberdade. Normalmente, como
aconteceu com Rita e José, tribunais e juízes não criaram dificuldade para o uso desses novos métodos. Surgirão questões, como é
evidente, relativas aos irmãos, às
heranças, enfim, com referência a
direitos de parentesco. Todavia,
quanto aos embriões não utilizados, nem cientificamente nem juridicamente se entrevê outro modo de resolver seu destino senão
através de sua eliminação.
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