São Paulo, sábado, 31 de agosto de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Limites de uso do embrião humano

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

D eixo claro para o leitor meu entendimento segundo o qual o embrião, formado em laboratório ou em clínica de reprodução assistida, não sendo aproveitado para fixação no corpo da mulher, é apenas objeto descartável de experiência científica. Seu destino sofre única restrição: depende da vontade das pessoas fornecedoras de material para sua formação. Não é ser humano ou projeto de ser humano, não tem alma.
O embrião in vitro nem mesmo é nascituro (aquele que, na linguagem legal, estando no ventre materno, vai nascer). Só alcança a dignidade da vida humana, protegida pela lei, quando, transferido para o útero da mulher, fixar-se e iniciar o processo de desenvolvimento. Não antes. Por isso mesmo, tem utilização para novas pesquisas ou pode ser simplesmente descartado.
Recente decisão judicial ilustra a questão do uso do embrião e das pessoas providas de legitimidade e de interesse jurídico com capacidade para decidir sobre seu destino. Deixo de lado as questões jurídicas debatidas nos autos, que envolvem dois jovens aos quais darei os nomes fictícios de Rita e José. Casaram-se. Quase um ano depois, verificaram que o marido era portador de doença incurável, a qual terminou por levá-lo à morte. Antes disso, concordaram ambos que José deixasse amostras congeladas de seu sêmen para futura fertilização de Rita.
Rita, viúva, fez inseminação artificial com seus próprios óvulos e o sêmen do marido já morto em clínica de reprodução assistida. Engravidou, seguindo-se o parto de uma menina, registrada pela mãe como filha dela e de José. O debate judicial seguiu outros rumos, mas o problema para o qual chamo a atenção do leitor consiste na possibilidade da utilização do sêmen ou do óvulo. O uso pode ser homólogo (pelas próprias pessoas que deram origem ao sêmen e ao óvulo) ou heterólogo (não aproveitado por uma ou por ambas as pessoas que lhes deram origem).
A preservação de embriões ou de outros produtos orgânicos é viabilizada na atualidade por períodos variáveis, como se dramatiza, especialmente, nos transplantes de órgãos. Essa preservação, para fins de reprodução assistida, parece razoável, e podem até formar-se bancos de sêmen, desde que não se destinem à comercialização. Formados, porém, os embriões, em virtude da união dos elementos masculino e feminino, sempre há duas possibilidades: não se destinem à inseminação artificial imediata, podendo ficar disponíveis para terceiras pessoas, ou destinem-se a um casal determinado, mas seu número seja excessivo, ultrapassando os limites admitidos pela ciência e pelos regulamentos administrativos para implantação.
A jurisprudência brasileira tem aceitado, sem grandes variações, a possibilidade da reprodução assistida e, por outro lado, não tem nenhuma decisão a respeito da utilização do excesso de embriões, limitando-a ou lhe dando plena liberdade. Normalmente, como aconteceu com Rita e José, tribunais e juízes não criaram dificuldade para o uso desses novos métodos. Surgirão questões, como é evidente, relativas aos irmãos, às heranças, enfim, com referência a direitos de parentesco. Todavia, quanto aos embriões não utilizados, nem cientificamente nem juridicamente se entrevê outro modo de resolver seu destino senão através de sua eliminação.


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