São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

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Expedição revela ruínas de vilarejo submerso

Mergulhadores mapearam vestígios de vila a 15 m de profundidade no interior de MG, inundada em 1970 para construção de represa

Na semana passada, foi encontrada a última peça para identificar o antigo vilarejo: uma balsa no fundo da represa do rio Grande

JOEL SILVA
ENVIADO ESPECIAL A MIGUELÓPOLIS (SP)

"Olha moço, quando você sente saudade de sua cidade natal, pode pegar um carro e ir visitá-la. No meu caso, não. Minha cidade natal está lá embaixo da represa." Assim diz Maria Clotilde Tosta, 63, nascida e criada até os 25 anos no vilarejo de Quebra-Chifre, às margens do rio Grande, interior de Minas Gerais.
Hoje, o pequeno vilarejo está a 15 metros de profundidade, no fundo da represa do rio Grande, criada em 1970, após a construção da usina de Volta Grande. O rio Grande separa São Paulo e Minas -Miguelópolis (a 460 km de SP) é a última cidade do lado paulista.
"Éramos felizes. Eu dava aula e fazia minhas compras do mês na "venda'", lembra a professora Clotilde, que ensinava em uma pequena escola a 100 metros da venda.
Ela viu seu passado ser invadido pelas águas pouco a pouco, depois de 1970. Ela nunca mais voltou às margens da represa. Diz que ainda sente falta daquela vida e do lugar -vive, agora, das recordações de sua antiga e submersa terra natal.
Hoje, cabos de náilon demarcam a cidade, que foi mapeada por três mergulhadores, Ricardo Machado, Hugo Ravagnani e o fazendeiro Manuel Pontes Jr -que chegou a conhecer a cidade quando era pequeno e que voltou a matar a saudade.
"Eu estive aqui quando pequeno. Costumava brincar entre o curral de bois. Foi emocionante rever tudo isso", disse, após um mergulho.
Os três começaram as buscas das ruínas da cidade, orientados por antigos moradores. Os trabalhos de localização duraram seis meses. O primeiro casarão encontrado era a antiga venda. A partir de então, começaram as redescobrir a cidade, tarefa que demorou três anos.
Na semana passada, a última peça para que a história dessa pequena cidade fosse emergida foi encontrada: a balsa usada para a travessia de gado entre Minas Gerais e São Paulo. A expedição, agora, está concluída.
Para se chegar à cidade, uma pequena garrafa serve como bóia e indica a localização para os mergulhadores, que descem por uma corda até chegar às ruínas da antiga venda.
Do lado direito, dez metros adiante, encontra-se ao curral onde era embarcado o gado para São Paulo. No lado contrário chega-se ao açougue e, do outro lado da rua, à caixa d'água.
Na cidade submersa é possível avistar paredes caídas e uma casa por onde os mergulhadores, ao passar pelos cômodos e janelas, vêem detalhes -um fogão à lenha ainda inteiro e alguns móveis, como a mesa que servia para cortar carne no açougue e garrafas de bebida intactas no interior da venda.
Há, ainda, um casarão de dois andares, batizado pelos mergulhadores como "castelinho" pelo formato das torres. Uma escada leva ao segundo piso, onde se vê uma cozinha e janelas. Do lado de fora, vê-se a cisterna e a base de concreto do casarão.
Mergulhar pela cidade é uma volta ao passado para redescobrir a vida do pequeno vilarejo de Quebra-Chifre.


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