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SEXO SOBRE RODAS
Fabiano Puhlmann defende que portadores de deficiência rompam preconceitos para melhorar a vida sexual
Deficiente tem que reaprender a seduzir, diz psicólogo
Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
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Fabiano Puhlmann, que é autor do livro "A Revolução Sexual sobre Rodas" e membro da Sociedade Brasileira de Sexologia Humana |
FERNANDA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um simples mergulho numa
piscina e a vida de Fabiano Puhlmann, 40, mudou completamente. Quando tinha 18 anos, o psicólogo quebrou o pescoço, o que o
tornou paraplégico. A sua experiência serviu-lhe de estímulo para ajudar outras pessoas deficientes a encarar sua condição e a não
se intimidar com ela. Até mesmo
quando o assunto é sexo.
Puhlmann, que é autor do livro
"A Revolução Sexual sobre Rodas" (Ed. Nome da Rosa), conta
ser freqüente as pessoas verem
um deficiente com uma mulher
bonita e logo pensarem: "Ou é
compaixão ou ele é rico. Não se
imagina que eles [os deficientes]
tenham uma vida sexual legal".
Membro da Sociedade Brasileira de Sexologia Humana, Puhlmann diz, com jeito alegre e sorriso tranqüilo, que o deficiente físico precisa romper, antes de tudo,
com o próprio preconceito e redescobrir que é capaz de seduzir.
"Se o deficiente acha que não
tem nenhum poder de sedução
ou que a cadeira de rodas é um
peso enorme, as pessoas sempre
vão vê-lo no papel de amigo. Aí fica difícil para a pessoa que não
tem deficiência se envolver."
Leia a seguir trechos da entrevista concedida pelo psicólogo à
Folha:
Folha - No filme "Carne Trêmula"
(1997), do diretor Pedro Almodóvar, um personagem, que é cadeirante (anda de cadeira de rodas), é
traído pela mulher com um homem
"normal". É essa a imagem que as
pessoas têm, em geral, dos portadores de deficiência?
Fabiano Puhlmann - Quando você fica deficiente é [essa imagem].
Eu sou deficiente há mais de 20
anos. Como eu já fui andante, sei
bem o que o "normal" pensa. O
deficiente é olhado de maneira diferente, como alguém que precisa
de cuidados. Um homem doente
com uma mulher bonita. "O que
ela está fazendo com ele?". As pessoas pensam: "Ou é compaixão ou
ele é rico". Não se imagina que eles
tenham uma vida sexual legal.
Hoje, 15% da população tem algum tipo de deficiência [motora,
sensorial ou mental].
Folha - Qual é a auto-imagem de
uma pessoa deficiente?
Puhlmann - Quando alguém adquire uma deficiência, está com o
imaginário de uma pessoa que
não é deficiente. A pessoa não se
acha deficiente, acha que aquilo
vai passar. A pessoa mesmo tem
preconceito. Quando se rompe
essa barreira, se consegue ensinar
o outro. Ensinar a si próprio primeiro e depois ensinar o outro.
Mas, logo num primeiro momento, essa relação é carregada de
preconceito. A sociedade trouxe
isso para ela.
Folha - Como o deficiente lida
com isso?
Puhlmann - O deficiente aprende em todas as situações que vive
que ele tem de ensinar [aos outros]. À medida que ele conversa,
as pessoas vão percebendo que
não há nada de mais, que podem
falar com ele, podem até brincar
com o fato da deficiência, se a pessoa dá esse espaço. A dificuldade
está em entender que isso pode
acontecer com qualquer pessoa.
Sempre fica a pergunta: como
foi lhe acontecer isso? Uma cliente
minha, deficiente desde pequena,
estava grávida. Ela pegou um táxi
e o taxista disse para ela: Quem foi
que lhe fez isso? Como se ela tivesse sido estuprada e não tivesse escolhido a gravidez como todo
mundo. Como se a mulher deficiente não tivesse sexualidade e
não fosse fértil.
Folha - E para quem já nasce com
uma deficiência?
Puhlmann - Quem cresce com
deficiência, às vezes, nem se vê como portador de deficiência, não
enxerga o preconceito. A pessoa
cresceu com aquele mimo, aquela
superproteção, é ingênua, não
tem malícia e acaba até tendo dificuldades na área da sexualidade.
Folha - Como fazer "renascer" essa sexualidade?
Puhlmann - Um dos aspectos
mais importantes da sexualidade
é a sedução. Como se seduz alguém? É como um felino com sua
caça, focaliza-se o outro sabendo
das fragilidades e potencialidades.
Quando se seduz, o que se deseja é uma troca afetiva, mas você
precisa saber quais são as suas
forças. Se alguém acha que não
tem força nenhuma, nenhum poder de sedução porque é deficiente, se a cadeira de rodas é um peso
enorme, o outro sempre vai vê-lo
no papel de amigo. É difícil para a
pessoa que não tem deficiência se
envolver, é um horizonte novo.
Ela tem ansiedades, medo, resistências. Se o deficiente sabe disso,
ele consegue facilitar para o outro.
Se ele consegue se relacionar no
meio social, se sai, se tem amigos,
a chance de ele conseguir ter uma
parceria é muito grande.
Folha - Quais são os caminhos para redescobrir o corpo?
Puhlmann - Pensando em uma
pessoa que ficou deficiente, é preciso redescobrir o corpo como
um todo. Há várias formas. A
principal é se tocar de novo, ver as
áreas sensíveis, erógenas. Explorar a sensibilidade como um todo.
Imagine uma pessoa que sentia
seu corpo inteiro e de repente pára de sentir. Também é preciso
usar recursos para flexibilizar os
valores porque é preciso inverter
o jeito que se via as coisas.
Se o deficiente é muito "quadrado", é preciso torná-lo mais maleável, por exemplo, com cursos
de dança inclusiva, nos quais as
pessoas são tocadas, desenvolvem
a sensibilidade, ou com a ida a sex
shops. O deficiente vai a uma loja
dessas e vê o que as pessoas compram, como brinquedos de masturbação, camisinhas com extensão de pênis. Isso faz com que ele
comece a ver o sexo de forma
mais solta, com mais humor.
Folha - Quais são as causas dos
problemas sexuais, tanto dos homens como das mulheres?
Puhlmann - Pode-se dizer que,
em 80% dos casos, temos um misto de causas biopsicossociais. Para quase todas as causas físicas,
hoje existe tratamento. Nos homens, o maior problema é a cabeça. Para as mulheres que tiveram
lesão na medula, a vida sexual é
normal, o que falta é mais informação sobre contracepção.
As reclamações em relação aos
homens são iguaizinhas às de
uma mulher normal. É impressionante como essas pessoas têm
conseguido viver. O que sobrava
antes para elas? O prostíbulo, para
os homens. Para as mulheres,
nem isso.
Folha - Existem centros especializados para atender essa demanda?
Puhlmann - A AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) faz isso. Há também os
centros de reabilitação do Hospital das Clínicas, do Hospital São
Paulo, e as clínicas particulares.
Eu gosto da idéia de que qualquer
ginecologista e urologista possa
atender essas pessoas, mas esses
especialistas têm que garantir o
acesso a essas pessoas -por
exemplo, um médico que ofereça
o seu cartão em braile.
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